quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Por aí...


International Conference Getting Post 2010 Biodiversity Targets Right

O Programa BIOTA/FAPESP, junto com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), decidiu marcar o final do Ano Internacional de Biodiversidade e o começo do Ano Internacional das Florestas organizando a International Conference Getting Post 2010 Biodiversity Targets Right, pretendendo contribuir para o estabelecimento de objetivos novos e efetivamente mensuráveis e cientificamente significantes.

Data: 11 a 15 de dezembro de 2010

Horário: 8h30 às 19h00

Local: Hotel Villa Santo Agostinho - Bragança Paulista/SP

Público alvo: Pesquisadores, estudantes, professores, instituições de ensino e pesquisa, empresas

Coordenação Científica: Prof. Dr. Carlos Alfredo Joly, coordenador do Programa Biota-FAPESP

Contato: faleconosco@biota2010-targets.com.br

Outras informações: www.biota2010-targets.com.br

Aqui e acolá


Acabei de retornar de uma viagem à França. Lá tive, por três meses, a oportunidade de viver a vida cotidiana e simples dos franceses sem todo o glamour das propagandas de agências de turismo e trabalhar num ambiente acadêmico bem diferente (será?) do nosso. Pretendo escrever sobre essa experiência aqui logo menos. Mas antes de ir e mesmo enquanto estive lá, ouvi e li de muitas pessoas como lá é melhor, lá isso e aquilo, porque aqui é tudo ruim, pior... Sou desconfiada por natureza, e antes de conhecer escutava em silêncio. E hoje, checando meus e-mails, recebi uma mensagem com um texto que resgatou um pouco do que penso do que falamos (sem saber direito) do que é tão bom "lá em cima" e "tão pior" aqui no "lado debaixo do Equador".  A França é uma país lindo, passei uma temporada excelente lá e fui bem tratada, sinto falta de muitas coisas, mas a casa da gente, o Brasil, é muito mais do que imaginamos... 
Vamos pensar...

SONHANDO COM O IMPOSSÍVEL
O Neurocientista Miguel Nicolelis, em aula inaugural do segundo semestre de 2009 na Universidade de Brasília (UnB), quebra o protocolo, e em sua surpreendente Aula da Inquietação é ovacionado por um público emocionado.

"Vocês, principalmente os que estudam em universidades públicas, representam os sonhos de realização de milhões de pessoas que jamais poderão vir para cá. São brasileiros que diariamente levantam da cama para trabalhar em empregos que muitos de nós jamais teríamos a coragem de enfrentar no nosso dia-a-dia, para que vocês possam estar aqui.

O sonho que não se converte em realidade inibe o indivíduo que perde a autoconfiança e o pior, causa a inibição coletiva do entorno que vê um sonhador derrotado. Quando um sonhador delirante é derrotado, a mediocridade triunfa e isso é terrível.
Vocês não foram postos aqui pelo resto do Brasil para fazer algo medíocre. Vocês foram postos aqui, receberam esse privilégio de toda a sociedade brasileira, para construir uma nação, e uma nação só se constrói se sonhando com o impossível, sem se esquecer do próximo.

Eu sou de uma geração que tentou fazer o que vocês têm a chance de fazer e fracassou. Nós não conseguimos construir o Brasil que nós queríamos, mas temos agora a oportunidade de testemunhar a tentativa de vôo de vocês.

Na história inteira deste país, vocês são primeira geração que tem verdadeiramente a chance de 
transformar este país num exemplo para a humanidade toda.

Não existe uma expressão que eu abomine mais quando eu venho para o Brasil, quando alguém vira para mim e fala: Nossa, as coisas que fazem lá, no seu laboratório, é coisa de primeiro mundo. Eu paro pra pensar e digo: "Mas que primeiro mundo é esse? De onde vem isso?" Ou então quando ocorre alguma coisa negativa na nossa vida cotidiana e alguém fala: "Isso só acontece no Brasil".

Eu tenho uma boa e uma má notícia para aqueles que usam essa expressão e gostam do primeiro mundo: O primeiro mundo faliu, em todos os sentidos; faliu financeiramente, faliu moralmente, faliu eticamente... E agora vem a boa notícia: O primeiro mundo agora é aqui.

E foi por isso que nos fomos para Natal a seis anos atrás, para tentar realizar um outro sonho impossível, criar um instituto de ponta de neurociência comprometido com a transformação da realidade social daquela região, Hoje ela tem a maior escola de educação cientifica infanto juvenil do Brasil, para 1000 crianças da rede publica de Natal, que são hoje os primeiros brasileiros a terem uma educação publica em tempo integral. 

Elas eram esquecidas, elas faziam parte do pior distrito escolar do país, de acordo com as estatísticas do MEC. As quatro piores escolas do país estavam nessa região, e foi ali que nos selecionamos 1000 crianças da escola publica e trouxemos elas para aprender ciência de ponta. Essas crianças, de 10 a 16 anos, se transformaram em protagonistas do próprio ensino, elas não têm aula teórica, elas freqüentam os melhores laboratórios de ciência e tecnologia que existem no Brasil para crianças, construídos para crianças, e elas hoje dão banho em qualquer criança de qualquer escola privada do estado de São Paulo, e elas se orgulham de serem descendentes dos índios potiguares, os únicos índios tupi guarani que resistiram à colonização portuguesa.

E sabe onde vocês vão encontrar cada um desses 1000 alunos, que vão virar 5000, e que graças a um decreto que vai ser assinado pelo ministro da educação e pelo presidente da republica, vão  se transformar um milhão de crianças pelo Brasil afora, daqui a alguns anos? Aqui na UNB, na USP, na Unicamp, elas vão se transformar em agentes de transformação social, de baixo para cima, não de cima para baixo.

E quando elas chegarem lá, podem acreditar, o prédio ao lado (Senado) vai ser ocupado por outro tipo de gente."


Fonte do texto: http://migre.me/1PDiS
Fonte da figura: poesia.blogtok.com

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Notas desconexas sobre lógica (3)* ou A complexa resposta de Gaia.


Por Renato S. Capellari

Imagine-se grego. Imagine-se também, além de grego, mais de cinco séculos antes de Cristo. Se já isso lhe parecer difícil, não achará pior imaginar-se grego, há mais de dois mil e quinhentos anos, e com uma pergunta virulenta dentro de sua cabeça, que lhe retire o sono. Uma pergunta verdadeiramente complexa. Por exemplo: quais moscas, na sua vasta coleção de moscas, são moscas de uma mesma espécie? Ou então, que virulenta espécie de pergunta é essa, sobre moscas, que lhe retira o sono? Nessa situação, você poderia levantar preces a Hipnos, deus do sono, ou então a Apolo, e buscar por uma resposta no oráculo de Delfos, templo dedicado a esse deus solar da Verdade e da Razão.
O famoso oráculo da cidade de Delfos era conhecido por oferecer respostas verdadeiras a todas as perguntas, por mais complexas que fossem. E aqui podemos entrar num outro assunto interessante: o das perguntas complexas. Em lógica, existe um tipo de raciocínio falacioso chamado de pergunta complexa. Ele consiste na formulação de uma pergunta que contenha, implicitamente, outra questão embutida, a qual pode ser usada para se extrair uma conclusão enganosa a partir da resposta dada. Um investigador inquirindo um suspeito poderia lhe dirigir a seguinte pergunta: “o que você fez com o dinheiro que roubou?”, “nada, senhor...”, “a-há!: então você confessa que roubou o dinheiro!” Apesar de artificial e um pouco extravagante, o diálogo é ilustrativo. Há, em verdade, duas perguntas: “você roubou o dinheiro?” e “o que você fez com o dinheiro roubado?” (que só faz sentido se a resposta à primeira pergunta for positiva). Quando o interlocutor responde à segunda, sua resposta é usada para inferir, falaciosamente, uma resposta à primeira (que ele roubou o dinheiro). Contudo, argumentos falaciosos que utilizam a estrutura da pergunta complexa não costumam ser tão explícitos e, quando usados de maneira tácita, podem ser bastante persuasivos ao ouvinte menos atento. É comum que oradores utilizem uma pergunta retórica com esse sentido: perguntam maliciosamente ao público e, ao responderem eles mesmos de forma falaciosa, dão continuidade ao raciocínio já desvirtuado pela falácia da pergunta complexa. Quando usada com sutileza, a pergunta complexa pode passar de aberração argumentativa a um eficiente truque de convencimento.
"A sacerdotisa de Delfos"


Voltemos, entretanto, ao seu assunto de moscas, pois você, grego há dois mil e quinhentos anos, foi a Delfos, pedir os conselhos do oráculo. Diz-se que a pítia, a sacerdotisa do templo, recebia as respostas num estado delirante, após inalar os vapores que fumegavam de fendas na rocha daquele lugar. As adivinhações e profecias, conta-se, eram recebidas de Gaia, a divindade da Terra, de onde exalavam os inebriantes vapores.  
James Ephraim Lovelock
E aqui, permitam-me novamente, podemos entrar num outro assunto interessante: o da hipótese Gaia. Na cosmogonia grega, Gaia é uma divindade primordial que trouxe harmonia ao caos inicial das eras primitivas. Através de sua força geradora, concebeu vários filhos, dentre eles Urano. Urano foi derrotado por Cronos, que também era filho de Gaia. Cronos foi vencido por Zeus. Zeus que era filho de Cronos. Mas deixemos de lado a tão confusa genealogia olímpica e foquemos em Gaia. Na segunda metade do século passado, o pesquisador James Lovelock propôs a idéia de que o planeta Terra funciona como um super-organismo que regula a si mesmo em direção a um equilíbrio. Essa hipótese foi posteriormente chamada de hipótese Gaia, em referência à deusa Terra que era capaz de, sozinha, gerar a vida. O cerne dessa hipótese reside na proposição geral de que a vida sustenta a vida, isto é, a interação entre os diversos ecossistemas cria, de forma regulada, as próprias condições necessárias à manutenção da vida. Essa regulação seria semelhante ao que é observado em sistemas orgânicos em geral, onde ocorre um equilíbrio homeostático. Diferente da homeostase, porém, que é um equilíbrio de estado (a regulação por homeostase promove o retorno a um estado anterior), o equilíbrio evocado no funcionamento de Gaia é o equilíbrio de processo, também chamado de homeorrese. Nesse caso, o que existe é um retorno ao processo de busca pelo equilíbrio, e não necessariamente o retorno ao estado anterior. Nesse tipo de regulação, abrem-se possibilidades para o estabelecimento de equilíbrios mais bem organizados diante da nova situação, de forma dinâmica. Quando surgiu, e até os dias de hoje, a idéia comoveu tanto pela simpatia como pela antipatia. Os simpáticos às proposições de Lovelock vão desde cientistas até pessoas fora do meio acadêmico que vêem Gaia como a personificação de algo que permeia a natureza, de forma quase espiritualizada. A despeito das leituras tidas como menos científicas da hipótese de Lovelock, há respaldo por parte de pesquisadores, em especial estudiosos do clima, que interpretam as atuais condições climáticas como um sinal responsivo de Gaia frente a fatores principalmente antrópicos (como a queima de combustíveis fósseis e emissão de outros gases poluentes). 
"Medéia"
Os avessos a Gaia, contudo, não são poucos. Uma das mais recentes manifestações contrárias à leitura de Lovelock para o planeta Terra foi feita por Peter Ward, paleontólogo, em seu livro “A hipótese Medéia”. A figura mitológica da feiticeira Medéia é mais bem conhecida pelo seu lado sombrio: casada com Jasão, ela mata os próprios filhos nascidos dessa união como forma de vingança contra o herói. Ward empresta a metáfora de Medéia para descrever a dinâmica da Terra com a biosfera que a povoa: os sistemas vivos são auto-destrutivos, pois seus processos conduzem a condições abióticas que tendem a extinguir a vida. 
Preferindo-se Gaia a Medéia, uma das suposições possíveis seria a de que conservar o meio ambiente tem um valor em si mesmo, intrínseco, uma vez que a preservação dos ecossistemas contribui com a manutenção da vida. Diante disso, a alguns poderia ter soado estranha a recente declaração de Lovelock a esse respeito: “Tentar salvar o planeta é bobagem, porque não podemos fazer isso. Se for salva, a Terra vai se salvar sozinha, que é o que sempre fez. A coisa mais sensível a se fazer é aproveitar a vida enquanto podemos” (informe-se mais sobre isso com este post). E neste ponto eu gostaria de desenvolver um pouco além a estrutura da pergunta complexa. Como regra geral, qualquer falácia se constitui de premissas que não levam à conclusão apresentada. Ou seja, não há encadeamento lógico entre as premissas para se inferir a conclusão proposta (a qual é, portanto, falaciosa). A pergunta complexa não foge a esse esquema, como visto acima, e sua essência pode estar presente em vários raciocínios que não são constituídos por estruturas interrogativas. Acontece, por exemplo, quando uma idéia é negada e, a partir disso, uma idéia oposta a ela é afirmada. Concluir que uma afirmação é verdadeira porque sua oposta é falsa só é válido se os atributos em questão forem genuinamente contrários, isto é, “ou isto, ou aquilo”, nada existindo entre ambos. Por exemplo, à pergunta “esta mulher é gestante?” só existem duas respostas: “sim” e “não” (uma vez que não há nada entre grávido e não-grávido). Portanto, se nego que uma mulher é grávida, ao mesmo tempo afirmo que ela não é gestante. Igualmente, ao negar que uma mulher não é grávida, afirmo que ela é gestante. Isso pode parecer obviedade. Contudo não é sempre óbvio quais atributos são genuinamente contrários (quando são do tipo “ou isto, ou aquilo”), de modo que, ao responder negativamente a uma pergunta, seja logicamente cabível inferir seu contrário. A declaração de Lovelock acima transcrita diz respeito a quê? A sentença “salvar o planeta é possível” é negada. O importante aqui é o que não podemos concluir dessa premissa. Não se infere dessa declaração que, uma vez não sendo possível salvar o planeta, é cabível deixá-la ao descaso (“se salvar sozinha”), ou mesmo permitir que uma crise ambiental aumente em decorrência de “aproveitar a vida enquanto podemos”, esgotando os recursos do planeta. Lovelock não afirma essas coisas. Mas essas são leituras possíveis: falaciosas, mas possíveis. As respostas requerem inspeção quando as perguntas podem carregar mais de um sentido, isto é, quando são complexas. 
Gaia
Gaia, na realidade, pode absolutamente não existir. Entretanto nós existimos (ao menos de alguma forma: mas deixemos isso para depois, pois já lhe sugeri muitas perguntas complexas por ora). Isso significa que deveríamos nos posicionar diante do que acontece no planeta, permeie-o Gaia ou não. A “sensível” sugestão de Lovelock é aproveitar a vida enquanto podemos, isto é, praticar o carpe diem. O carpe diem, entretanto, é uma filosofia surgida com o final do Império Romano, num cenário em que a decadência insuflava nas pessoas o desejo de aproveitar a vida ao máximo, sem se importar com o amanhã (uma vez que pode não haver amanhã). Sentenças como “o funcionamento de Gaia não existe” ou “a Terra vai se salvar sozinha”, assim como muitas outras asserções relacionadas ao tema meio ambiente, não significam que podemos esgotar o planeta, vivendo um carpe diem descontrolado. Não há encadeamento lógico entre essas idéias e uma suposta conclusão – falaciosa – que afirme ser cabível abster-se de posicionamento ou mesmo resignar-se frente ao estado de coisas que há.
A esta altura, se você ainda fosse grego, poderia muito bem achar que estamos falando grego, misturando tanto assunto à sua complexa pergunta. Gaia talvez tivesse lhe indicado uma resposta melhor em sua consulta ao oráculo, através dos vapores inalados pela pítia. De todo modo, seria pertinente que qualquer resposta oferecida fosse inspecionada, uma vez que uma pergunta complexa pode surpreendê-lo a qualquer momento com uma resposta ainda mais complexa: um genuíno presente de grego. 
Uma nova espécie de mosca?

* Este texto é o terceiro de uma série sobre temas de lógica, publicados no IB, o síntese, informativo do centro acadêmico “V de Junho” do Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu. As primeiras notas podem ser lidas aqui e as segundas, aqui.

Sobre o autor:
Renato Soares Capellari é biólogo e aluno de doutoramento em entomologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Trabalha diretamente com taxonomia e tem interesse em responder que moscas de sua coleção são de uma mesma espécie. Lattes.

Possibilidades de leitura:
1 – Sobre Gaia: A vingança de Gaia (Intrinseca), de James Lovelock.
2 – Sobre Medeia: leia aqui o primeiro capítulo do livro de Peter Ward, The Medea hypothesis: is life on Earth ultimately self-destructive? (Princeton University Press).
3 – Sobre lógica: Lógica indutiva e probabilidade, de Newton da Costa (Hucitec); Introdução à lógica, de Irving Copi (Mestre Jou).



Legendas das figuras:
[1] "A sacerdotisa de Delfos", de John Collier.

[2] James Ephraim Lovelock (1919 – atual)

[3] "Medéia", de Paul Cézanne

[4] Gaia

[5] Uma nova espécie de mosca?
Fonte: o autor


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Por aí...



International Symposium on Phylogeography (8 e 9/11/2010)

O simpósio tem o objetivo de discutir os avanços e desafios na área da Filogeografia bem como demonstrar e promover a Filogeografia como área de interface com outras áreas do conhecimento, no contexto dos estudos em biodiversidade. A reunião possibilitará a interação entre pesquisadores interessados nesta área, integrando os grupos de pesquisa brasileiros na comunidade internacional e servindo de plataforma para discutir questões relevantes para a pesquisa filogeográfica brasileira.
Data: 8 e 9 de novembro de 2010
Horário: das 8h30 às 18h15
Local:Auditório da FEA 5 – USP
Faculdade de Economia e Administração - USP
Av. Prof. Luciano Gualberto, 908
Estacionamento:Bolsão da FEA

Evento isento de taxa de inscrição.

As palestras serão proferidas em inglês, português e espanhol,com tradução para português e inglês. 

Amazônia: sob a luz da lua e o canto do capitão-da-mata!


Por Sarah S. Oliveira

Sou bióloga, doutoranda, interessada em evolução, trabalhos de campo e insetos. Ao longo de minha formação acadêmica obtive experiência de campo em áreas de Cerrado e floresta Atlântica, até então a Amazônia era uma realidade distante. Mas, os acasos sucessivos que regem a vida de todos nós, deixaram saudades de uma Amazônia que pretendo voltar sempre. 





Minha primeira experiência (resultado de um convite para participar de uma expedição de um mês ao alto Rio Negro, em julho de 2009) foi um tanto inusitada, por dois motivos principais: a expectativa e a decepção.
Embarquei em Campinas sorridente, muitíssimo feliz e ansiosa para conhecer esse universo chamado Amazônia. Digo universo porque não basta saber que é a maior floresta tropical do planeta, com expressiva biodiversidade associada, formada por árvores de grande porte em um solo muitíssimo pobre altamente dependente dos nutrientes resultantes da decomposição da serrapilheira. Universo porque não há livro didático e noticiário social ou científico que transmita a quem não a conhece a noção espacial exata do que é essa imensa floresta! Em um vôo de 3h40 até Manaus, duas horas se dão sobre floresta, mata nativa intocada, e isso é apenas a porção leste da floresta, muito menor do que toda a região entre Manaus e o oeste da América do Sul (aproximadamente 2400Km). O triste é saber que voamos boa parte do tempo (aproximadamente 40 minutos) sobre área desmatada, hoje plantação de soja e algodão no Mato Grosso, e que outrora essa paisagem seria outra. Eu não sou contra ocupações humanas e sei que as plantações permitem que as pessoas comam e se vistam. O problema é como se dá boa parte dessas ocupações. Hoje se sabe que a floresta, explorada de forma adequada (p.ex. manejo sustentável da pesca, agricultura e pecuária, produção de açaí, castanha-do-pará e madeira), permite conciliar ocupação humana e áreas não desmatadas. Mas essa informação não é levada em conta na maioria das vezes, infelizmente.







 A decepção, apesar do negativismo que cerca a palavra, transformou-se em um grande aprendizado humanitário. Depois de quatro dias subindo o Rio Negro em direção aos limites dos estados do Amazonas e Roraima, sob escolta de garças e botos, nosso barco naufragou nas proximidades da Comunidade São José, Igarapé do Malalahah. Felizmente nenhum ferido e poucas perdas materiais, mas não conseguimos coletar. Passamos um dia no salão de festas de uma comunidade ribeirinha, cercados pela curiosidade das crianças, pelas “guloseimas” calóricas retiradas do naufrágio, bebendo água do igarapé e comendo mandioca cozida preparada pelas mães da comunidade. Os homens não estavam presentes, exceto os mais idosos. Ficam dias na mata recolhendo piaçava (ou piaçaba), fibras utilizadas para produzir vassouras. Periodicamente voltam à comunidade para rever suas famílias e comercializar os enormes fardos de fibras. Esse dinheiro é utilizado para comprar gasolina para o gerador (utilizado para iluminar a comunidade poucas horas à noite) e mantimentos industrializados. As crianças recebem atendimento médico periódico, são alfabetizadas na escola da comunidade e muito curiosas em relação ao restante do mundo, já que há uma televisão comunitária em que assistem o Jornal Nacional e a novela das “oito” todos os dias. Depois disso as luzes se apagam e a lua cumpre o seu papel.



 Posso dizer que a experiência de dormir ao relento, sob a luz da lua, ao som das águas negras e do capitão-da-mata (uma ave que tem um canto muito alto e característico) nos faz repensar profundamente nosso lugar na natureza e a maneira desleal com que o homem tem interagido com o meio ambiente.
No dia seguinte fomos resgatados por uma embarcação vinda de Barcelos, retornamos à Manaus e, por terra, fomos coletar no município de Presidente Figueiredo.
A comunidade de Figueiredo, ao contrário da que conheci no alto Rio Negro, tem energia elétrica. Mas me surpreendi ao saber que a luz na região data de 2006 (programa “Luz para todos”), em uma comunidade a apenas 70Km de asfalto de Manaus. A melhor palavra para explicar isso, a meu ver, é descaso das autoridades públicas. A mandioca e a caça são a base da alimentação e o dinheiro do “Bolsa família” é gasto com mantimentos como arroz e feijão. Todos vão à escola, inclusive os pais.
É muito interessante ver pai, mãe e filhos caminhando no meio da tarde em direção à escola e voltando tarde da noite. Como viajamos para coletar insetos, com armadilhas espalhadas ao entorno da comunidade e nas trilhas, corriqueiramente eles param nas armadilhas, perguntam, aprendem, e se perdem novamente na escuridão.



Diferente, mas interessante é ver a mata transpirar por horas após uma chuva efêmera e continuar “chovendo” em seu interior mesmo que a chuva já tenha cessado por completo. O calor e a umidade são indescritíveis, a sensação é de como se tivéssemos tomado muita chuva enquanto caminhando sob o sol por horas .... E horas ... E horas .... mesmo que não tivesse chovido.






As árvores geralmente são muito altas, com troncos finos e roliços (estioladas), galhadas apenas nas copas, de forma que a paisagem torna-se bastante repetitiva, explicando a grande quantidade de episódios em que muitos viajantes inexperientes se perdem. Mas a mata em si não é difícil de ser adentrada. O solo é regular facilitando o acesso, muito diferente dos remanescentes de Floresta Atlântica, em que o terreno é geralmente íngreme, com predomínio de arbustos. Nada melhor que um mateiro (pessoa da região com um grande conhecimento da mata local) para nos levar aos diferentes ambientes dentro da mata (campinas, cachoeiras, igarapés, bromélias aos montes no chão, etc.) e ensinar nomes populares da natureza ao redor. É interessante notar que a paisagem não é a mesma ao longo de toda a floresta, e que a mesma não é composta apenas por áreas planas e rios calmos. Particularmente gostei do “mulateiro”, uma árvore com tronco vermelho vivo, fácil de reconhecer de longe, e da famigerada castanha-do-Pará ou castanha-do-Brasil, árvore imponente com seus ouriços repletos de castanhas.

 Eu esperava caminhar pela mata e ver muitos insetos voando, pássaros, cobras, mamíferos. Mas isso é uma grande ilusão. O mateiro reconhece pegadas, mas para ver uma borboleta voando, só depois de ficarmos parados e em silêncio por um bom tempo. Isso não significa que a floresta não é rica em termos de biodiversidade. Pelo contrário, indica que qualquer mínima alteração é perceptível pelos animais e que os mesmos se escondem rapidamente. Os fatores sazonais também influenciam este tipo de observação.






Durante as coletas, o panorama geral é bem diferente. O material coletado por meio dos diferentes tipos de armadilhas é muitíssimo variável, inusitado, colorido e vistoso. Muitas espécies encontradas certamente são novas, já que a região é pouco estudada, mas isso só é confirmado após exaustivos estudos realizados por especialistas e publicados em artigos científicos.
Este ano voltei à Manaus (em junho de 2010). Dessa vez sem naufrágio coletamos ao longo das matas dos afluentes ao norte do Rio Negro. Exploramos os Rios Aracá e Padauari. As impressões dessas águas escuras ficam para uma próxima postagem.










Sobre a autora:

Sarah Siqueira de Oliveira é bióloga, estudante de doutorado, interessada em evolução, trabalhos de campo, insetos, sistemática filogenética, biogeografia, educação e ensino de ciências. Escreve ensaios sobre diversos temas em biologia e divulga eventos de interesse geral no blog Forma, Tempo e Espaço. Lattes.

Fotos de Sarah Oliveira, Chico Felipe e Josenir Câmara.