Esse é um texto escrito a pedido do "CEB Informa" de fevereiro, o jornal do centro estudantil da Biologia da FFCLRP, USP.
Por Mateus Henrique Santos
Todos nós alguma vez na nossa vida já ouvimos diversas histórias, sejam elas de ficção ou reais. Algumas histórias contam com uma boa narrativa, personagens interessantes e o desenrolar de eventos que os movem para além do seu cotidiano. Essa pode ser por muitas vezes chamada de “A jornada do Heroi” onde o personagem passa por momentos de aprendizagem e desafios que mudam sua vida. Se você leitor está achando essa conversa estranha para um texto sobre biologia, não se assuste, pois o que vou dizer em poucas linhas é como contar a história dos seres vivos sob uma abordagem biológica.
Sou biólogo, trabalho no Laboratório de Genética Evolutiva da Faculdade de Medicina do Departamento de Genética, que um belo dia se viu diante de pequenas moscas, as Drosophila buzzatii. Elas são repletas de pequenas manchas por todo o corpo e apresentam-se distribuídas ao longo de toda a América do Sul, sempre associadas a cactos, dos mais diversos gêneros, onde reproduzem, ovopositam, crescem e se alimentam. Partindo das palavras do Grande Pensador Profundo, da obra “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, do escritor Douglas N. Adams – “O importante é a pergunta” – assim, começamos então a nos perguntar coisas a respeito dessas moscas: Como elas chegaram à sua distribuição geográfica atual? Por que não as encontramos em alguns lugares? Existe diferença entre as moscas de diferentes lugares?, entre outras. Para responder a essas questões utilizamos a Filogeografia para mergulhar cada vez mais no mundo e história dessas moscas.
A Filogeografia é uma área do conhecimento nova, com pouco mais de 20 anos, sendo um ramo da Biogeografia que utiliza a informação genética associada à localização geográfica para inferir a história evolutiva de espécies e populações. Ela exige que tenhamos gostos um tanto quanto estranhos à maioria dos biólogos, como, por exemplo, um bom apreço pela estatística, certa dose de programação, uma boa noção de geografia e bastante curiosidade para “fuçar” nos mais diversos assuntos e temas, como meteorologia, ecologia, palinologia, paleontologia, sistemática filogenética e, claro, muita genética molecular. O filogeógrafo precisa ser um agregador do conhecimento, uma vez que esse ramo da biologia exige grande interação entre áreas, porém, nem sempre é o que acontece.
Mas voltemos à jornada do nosso heroi em questão, a D. buzzatii. Utilizando a filogeografia conseguimos traçar rotas de dispersão históricas, indo onde nenhuma Drosophila jamais foi; enfrentando terríveis mudanças climáticas e perigos inimagináveis para um ser tão pequeno até alcançar a distribuição atual, quebrando paradigmas e rompendo com antigas teorias. Essa é a história dessas moscas, contada a partir do material genético, sua distribuição geográfica e outras informações de diversos campos do conhecimento, indo de encontro da própria história da América do Sul. Se você se interessou e tem as habilidades para ser um filogeógrafo, um contador de histórias, então se prepare para um mundo de possibilidades, emoções e muito trabalho.
Sobre o autor:
Mateus Henrique Santos escolheu ser “Cientista” quando cursava o quarto ano do ensino fundamental, pelo menos foi o que respondeu quando lhe foi perguntado “O que quer ser quando crescer?”. A paixão pela biologia começou cedo, quando criança, após fazer as tarefas diárias parava em frente à televisão para assistir a série “Os bichos” da TV Cultura com apresentação de Marty Stouffer. Nerd assumido, sempre gostou de histórias de ficção e quadrinhos e os X-Men o levaram a optar pela área da genética e evolução. Cursou Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos. Concluiu o mestrado em Genética e Evolução pela UFSCar e está concluindo o doutorado em Genética pela FMRP-USP. Sua área de pesquisa é filogeografia e seu projeto de doutorado foi sobre a história evolutiva da espécie de moscas Drosophila buzzatii. Interesses gerais incluem genética, evolução, estatística, biogeografia, histórias de fantasia, ficção científica, quadrinhos e arte em geral. Lattes.
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