quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vida Universitária


Por Diego Fachin


Todo ano é a mesma coisa, muitos alunos entram na Universidade e muitos saem. Aqueles que entram, trazem a lembrança do Ensino Médio e alguns do Cursinho Pré-Vestibular,nos quais estudar e se dedicar integralmente são as palavras-chaves e é o que definirá o seu futuro ou não. Aqueles que saem, levam consigo a lembrança de um período fenomenal e incomparável, que foi a graduação, quando é aproveitada da melhor maneira possível e de acordo com as necessidades e objetivos de cada um.
Ao entrar na Universidade, nos deparamos com um mundo novo, onde quase tudo é desconhecido. Na maioria das vezes, não conhecemos ninguém e o que eles querem de nós, não sabemos o que, realmente, se faz, se ensina, se aprende ou com o que se trabalha em um ambiente desses. Mas ao passo que tudo é novo para nós, há pessoas que também querem nos conhecer, saber quem somos, onde moramos e o que fazemos. Nos encontramos na estaca zero, muitas vezes totalmente perdidos e necessitamos de um referencial. Entretanto, outros sabem exatamente o que querem e desde o início adentram ao desconhecido, mesmo que falte experiência e conhecimento. Eis que partimos e tudo começa a se moldar, estamos seguindo uma rotina: a Universitária. 
 Acostumados a seguir uma rotina que parece imutável, muitas vezes, fazemos da universidade, do nosso curso escolhido um simples prolongamento do ensino médio e/ou do Cursinho, sendo que apenas estudamos, incansavelmente. Perdemos almoços, conversas com amigos, passeios, filmes, projetos paralelos, apenas pela simples obrigação de fazer relatórios, seminários, provas e tudo aquilo referente ao curso e ainda, fazer o mais rápido possível, sempre correndo contra o tempo. Afinal, espera-se que façamos isso, mas não apenas isso, uma que vez a universidade não se resume ao ensino.Além disso, deveríamos dedicar tempo ao ambiente no qual vivemos, participar de reuniões, centros estudantis, centros acadêmicos, associações, prestigiar palestras, dedicar mais tempo à leitura, praticar esportes, conhecer mais os professores e os alunos de outros anos, outros cursos. Muitas vezes não sabemoso que estamos fazendo na universidade, além do nosso curso, é claro. Estamos robotizados. Nada muito diferente da época de Cursinho Pré-Vestibular, não é?
Mas, após tudo isso, surgem as dúvidas! Porque fazer diferente? Porque me dedicar, gastar omeu tempo com outros assuntos e não com o meu estudo e com a minha exclusiva dedicação ao meu curso? Qual a importância disso tudo? Participar de um centro estudantil,de um centro acadêmico, fazer novos amigos, organizar e participar de eventos, aproveitar a minha vida de aluno de graduação num sentido mais amplo? Eu? Qual é o ganho?
Por exemplo,um centro estudantil ou acadêmico ganhará e muito com a sua presença, assim como você ganhará muito com essa experiência. Você, provavelmente irá levarnovas idéias, opiniões e metas sobre como melhorar e discutir a grade horáriado curso, promover e organizar eventos e atividades, etc. Estas poderão ser concretizadas ou não. Você aprenderá a enxergar a universidade, seu curso e sua relação dentro disso tudo de uma perspectiva diferente. É preciso melhorar auniversidade, meu curso? Se sim, como fazê-lo? Qual o meu papel nisso tudo? Aprenderá nesse meio tempo que escolher gastar todo o seu tempo apenasestudando a maneira do ensino médio não garantirá que você vá ser o melhor aluno, e ainda, ser o melhor não garantirá a sua qualidade e sucesso comoprofissional, ou seja, ter nota máxima não é tudo e não fará que você tenha tudo. Aprenderá se relacionar com pessoas diferentes, interagir em grupo. Ou simplesmente vai reconhecer dificuldades e limitações, que a princípio podem parecer irrelevantes para a situação de aluno, mas não podemos esquecer que ao final da graduação seremos profissionais. Argumentar, questionar e discutir opiniões,idéias, propostas são exercícios fundamentais para a formação de um bom profissional, e às vezes o ambiente fora da sala de aula é ideal para isso.
A universidade e a vida que nela se faz são fundamentadas em Ensino, Pesquisa e Extensão. Quando entramos não sabemos o significado dessas três palavras e, talvez, muitos dos que saem também não. Saiba que o Ensino nos coloca em contato com o produto daciência por meio das aulas expositivas, práticas e leituras. A pesquisa nos coloca em contato com o desenvolvimento das idéias antes apresentadas e nos instrumentaliza a produzir conhecimentos. A Extensão nos relaciona com asociedade, e interage para que nós lhe apresentemos um retorno por meio do Ensino e da Pesquisa. A partir daí, tomar conhecimento e buscar os meios para alcançar os três elementos de maneira equilibrada e ainda, aproveitar oambiente universitário caberá a você. Lembre-se que, tudo o que se faz, se aprende, se conhece, é fundamental para a formação e esse, certamente é mais um ganho. 
Descobriráque, assim como a palavra chave do cursinho é estudar, na vida acadêmica, é seinteressar. Mas se o seu interesse é muito grande, lembre-se que em uma universidade, todo cuidado é bem vindo. Antes de sair e começar a participar de tudo evivenciar cada momento, é necessário conhecer as suas necessidades, saber o quevocê quer e o que você pode fazer no momento, para que essa participação nãovenha prejudicar, profundamente, o seu desempenho durante o curso. Para isso, programe o seu dia, sua semana, seu mês, seu semestre e seu ano. Saiba que uma simples participação em qualquer coisa além do estudo, já trará benefícios, bons ou ruins, e novas experiências, fazendo-o decidir se você continuará ou não comtal atividade. Lembre-se que provavelmente, essa experiência poderá contribuir para que você se torne um bom Biólogo, Químico, Físico, Médico, Geógrafo, etc.
A universidade,a vida acadêmica, o ambiente universitário vai muito além de uma extensão do ensino médio ou cursinho, da qual você escolhe um curso (Ciências Biológicas, Química, Física, Medicina, Geografia, etc.) e aprofunda, aprende, discorre, discute e reflete sobre o que lhe é apresentado. Uma universidade fornece formação profissional, intelectual e social, nos traz desafios, dificuldades antes nunca apresentadas e nos municia de ferramentas capazes de resolvê-las ounão. Ela faz tudo ser diferente e antes de qualquer coisa nos fornece uma oportunidade de descobrir e explorar um novo mundo. Ingênuo, aquele que inserido em um ambiente universitário abra mão de vivenciar a universidade e fazer valer a sua oportunidade, uma vez que muitos não a têm.
Imagine qual seria o prazer em não tentar participar e vivenciar tudo isso e muito mais queacontece em um ambiente acadêmico? É claro quando você se encontra inserido nele. Frustrante, não? Talvez, possa não parecer agora, mas certamente um dia será.


Diego Aguilar Fachin éaluno do 3º ano de graduação do curso de Ciências Biológicas da FFCLRP-USP,dedica uma parte do seu tempo: a leitura de livros e mangas, a prática deesportes, conversa com os amigos e para ouvir Bon Jovi. A outra parte àUniversidade, dividindo entre Iniciação Científica, Centro Estudantil daBiologia e representação discente. 

Fontes das figuras:


Calouro:

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A diferença entre zoologia e crime


Eudocimus ruber

O jornal "Gazeta do Povo", de Curitiba, publicou recentemente uma reportagem (que pode ser vista aqui) na qual iguala um biólogo em exercício legítimo de sua profissão a um criminoso ambiental. A tendenciosidade com que o assunto foi tratado, e o fato de muitas pessoas terem sido levadas a acreditar que ele realmente agiu de má fé e que deve ser punido merecem resposta à altura.
Alexandre Aleixo, também biólogo e conhecedor das dificuldades inerentes ao trabalho de campo e da importância das coleções biológicas respondeu no site da Sociedade Brasileira de Zoologia. Ecoamos aqui sua manifestação contra a crucificação ignorante que estão fazendo de Louri Klehmann Júnior.


KAFKA + FOGO “AMIGO” = ZOOLOGIA NO FUNDO DO POÇO

O escritor tcheco Franz Kafka, autor de jóias da literatura como “A Metamorfose” e “O Processo”, tinha um talento especial para narrar como o insólito pode entrar na vida das pessoas sem qualquer aviso prévio e com conseqüências trágicas. A odisséia kafkaiana do biólogo Louri Klemann Jr. começou no dia 15 de maio deste ano no litoral do Paraná, mas seu fim ainda parece longe, com um possível desfecho que pode representar a total falência da Zoologia brasileira como uma ciência que se comunica eficientemente com o grande público e até com alguns de seus supostos líderes nos conselhos regionais de biologia.

O site “Google” é um medidor acurado da odisséia kafkaiana de Louri Klemann Jr. Quem digitar o nome completo dele achará várias entradas logo na primeira página. Nas mais acessadas, ele aparece como um criminoso condenado sem julgamento, como Joseph K., protagonista de “O Processo”. Em outras, ele aparece como um prolífico consultor ambiental. Além disso, existe também o Louri Klemann Jr. mestrando do curso de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná, bem como aquele que trabalhou em associação com o ICMBIO, a Secretaria de Meio Ambiente do Paraná e o Instituto Ambiental do mesmo estado (IAP) em diversos projetos que vão desde a elaboração de planos de manejo de unidades de conservação, até a revisão da lista de espécies ameaçadas do Paraná e a elaboração de planos de ação para espécies ameaçadas do estado. Curiosamente, o mesmo IAP pode condená-lo em breve a pagar uma multa de 50 milhões de reais por crime ambiental...

Tudo tão contraditório que pode parecer que existem dois Louri Klemann Jr., antípodas um do outro: o criminoso ambiental impiedoso / psicopata implícito e o biólogo conservacionista de formação, parceiro dos órgãos ambientais no estado do Paraná. Infelizmente, todas as páginas do “Google” citadas acima tratam da mesma pessoa! Surpresos?! Lembre-se, como escrevi logo no início, este texto trata de uma odisséia kafkaiana. Mas vamos ao que interessa agora: quem é, afinal, Louri Klemann Jr. e por que é toda a Zoologia brasileira que está encarnando o papel de Joseph K. junto com ele num verdadeiro simulacro de processo por um crime inexistente?

A chave para entender a natureza real de Louri Klemann Jr. é o seu currículo Lattes, instrumento de avaliação acadêmica obrigatório no Brasil. Nele, estão bem caracterizados todos os Louri Klemann Jr. “do bem” das páginas do “Google”, mas que se resumem em um só: um jovem e atuante zoólogo com especialidade em ornitologia, cujos feitos não são nada modestos para alguém que começou a cursar o mestrado ainda em 2010. Como, então, apareceu o Louri Klemann Jr. bandido, criminoso ambiental no mesmo “Google”? Qual a origem deste personagem, condenado pela mídia à condição de pária sem julgamento, tal qual Joseph K. em “O Processo”?

A persona Louri Klemann Jr., como aparece caracterizada nas páginas de “A Gazeta do Paraná” nas suas edições de 27 de junho, 4 e 6 de julho de 2010, dentre os links de Louri mais acessados no “Google” nestes dias, surgiu a partir da coleta de dois espécimes de guarás (Eudocimus ruber) em Guaratuba, no litoral do estado do Paraná. Digitem “guará” no “Google” e uma das primeiras entradas sobre a ave a surgir é ilustrada por um indivíduo adulto em magnífica plumagem vermelha carmesim, típica da espécie. Dado importante, e que fará sentido apenas mais adiante: os guarás coletados por Louri em nada se parecem com a ave vermelha vistosa do “Google”, mais um dado a se juntar ao processo kafkaiano enfrentado por ele.

Comuns no norte do Brasil e, principalmente por isso, ausentes da lista nacional da fauna ameaçada de extinção, no estado do Paraná os guarás eram ainda considerados ameaçados de extinção até 2009, quando especialistas credenciados pelos órgãos ambientais do estado decidiram pela retirada da espécie da condição de ameaçada, uma vez que ela voltava a se estabelecer no litoral do estado, com até cerca de 200 indivíduos avistados recentemente em Guaraqueçaba. Como essa decisão ainda não foi homologada, o guará ainda é, burocraticamente pelo menos, considerado ameaçado no Paraná.



As histórias de Louri e dos guarás do Paraná se cruzaram no dia 15 de maio deste ano, quando o biólogo se encontrava em Guaratuba desenvolvendo um projeto de pesquisa de longo prazo sobre a avifauna do Paraná, que inclui o estudo e a coleta científica de espécies de aves não ameaçadas do estado, dentre elas duas espécies de íbis, parentes bem próximos do guará e que ocorrem em maior abundância na mesma área: o tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus) e a caraúna-de-cara-branca (Plegadis chihi - Figura acima, à direita). Apesar de parentes próximos dos guarás, estas duas espécies possuem plumagem escura, bem diversa do seu parente mais famoso e tido como ameaçado. Como zoólogo profissional, Louri se encontrava em Guaratuba devidamente autorizado por todos os órgãos ambientais nacionais e estaduais competentes para estudar e, quando necessário, coletar para fins científicos exemplares, dentre várias espécies não ameaçadas de extinção, do tapicuru-de-cara-pelada e da caraúna-de-cara-branca, que nesses casos deveriam ser depositados num dos mais conhecidos museus de história natural do Brasil: o Museu de História Natural Capão do Imbuia (MHNCI), ligado à Prefeitura Municipal de Curitiba.

Como todo zoólogo no Brasil, o processo para a obtenção das devidas licenças enfrentado por Louri não foi trivial e envolveu a comprovação em todos os níveis da sua qualificação como profissional, bem como da relevância e adequação da coleta para o seu projeto de pesquisa, tudo avaliado por técnicos independentes, credenciados e com legitimidade para emitir pareceres, que poderiam ser favoráveis ou desfavoráveis. Neste caso, Louri teve assegurado dentro das esferas legais por todos os órgãos ambientais competentes, o direito pleno de coletar espécimes de aves para seu projeto de pesquisa.

No dia 15 de maio de 2010, logo após coletar dois espécimes de íbis de plumagem escura durante suas atividades de campo de rotina em Guaratuba, Louri verificou tratarem-se na verdade de guarás jovens, que nessa fase na vida ainda não exibem a plumagem vermelha carmesim icônica dos adultos, mas sim, a mesma plumagem escura que caracteriza adultos das duas das espécies de íbis não ameaçadas e cuja coleta lhe haviam sido autorizada (tapicuru-de-cara-pelada e caraúna-de-cara-branca).

Pois o processo kafkaiano contra Louri começou exatamente aí, com um equívoco que na verdade é previsto e tratado pela mesma legislação que o autorizou a trabalhar e coletar aves em Guaratuba como “Coleta Imprevista de Material Biológico”, e que deve ser relatada oportunamente aos órgãos ambientais que concederam a licença de coleta de material biológico.

Simples? Caso encerrado? Não, lembre-se, o processo kafkaiano só está começando.
Os primeiros acusadores do “O Processo”, desta vez na sua versão paranaense, foram pessoas que acusaram Louri de leviandade, de coletar os pobres guarás supostamente ameaçados de extinção de modo consciente e deliberado. “O Processo” foi então tomando corpo e em breve eram os vários órgãos de imprensa do estado do Paraná que se juntaram ao coro de acusadores, mas desta vez omitindo da opinião pública um fato importantíssimo: legalmente, Louri não infringiu qualquer lei ambiental; pelo contrário: está e esteve amparado nela o tempo todo, mesmo tenho cometido o equívoco de ter coletado acidentalmente uma espécie oficialmente listada como ameaçada de extinção num estado brasileiro. Ademais, toda a sua história pregressa, assim como o contexto da coleta dos guarás, o inocentam, com ampla margem, de qualquer acusação de má fé e mau uso da sua licença de coleta.

O “Processo” contra Louri adquiriu o auge de um drama kafkaiano quando o presidente do Conselho Regional de Biologia – 7 (CRBIO-7) veio a público engrossar o coro de algozes e declarar que, de antemão, o biólogo já poderia ser considerado errado e culpado pela coleta dos guarás, além de achar estranho o fato dos órgãos ambientais terem autorizado o mesmo a coletar espécimes da fauna. Para fechar com “chave de ouro”, a autoridade máxima do CRBIO-7, com sede em Curitba, a mesma cidade que sedia a Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ), proferiu seu julgamento sobre a coleta científica: desnecessária para o estudo dos animais.

Definitivamente, Louri e nós zoólogos estamos “muito bem na foto”. O presidente de um de nossos conselhos regionais mais influentes, quando vem a público se pronunciar sobre um episódio de coleta, além de declarar publicamente um colega culpado de antemão sem julgar o seu processo pelos trâmites regimentais, ignora por completo a legislação ambiental que rege a coleta científica no país, e, ainda por cima, não tem qualquer noção do papel da coleta científica para a zoologia.

E “O Processo” segue e, no seu calor, até o IAP declara a possibilidade de multar Louri em 50 milhões de reais, sem dúvida uma quantia modesta e justa, oferecida por qualquer mega-sena...

Como chegamos a esse ponto? Como, até mesmo os nossos representantes de classe ignoram por completo a legalidade e o valor da coleta científica e fornecem munição para campanhas de achaque e linchamento moral a zoólogos, ao invés de esclarecer ou pelo menos qualificar o debate junto á mídia e ao grande público? Tudo o que não precisamos nesse momento, é deste “fogo amigo”, que sepulta por completo a esperança de que a justiça vai se fazer presente e nos acordar do pesadelo desta versão moderna e brasileira de “O Processo”. Esse “fogo amigo”, no fundo, mostra que a atividade de coleta científica no Brasil chegou ao fundo do poço.

Meses atrás, ficamos todos deprimidos com o incêndio das coleções biológicas do Butantan em São Paulo e nos manifestamos das mais diversas formas, fizemos barulho sobre o que achávamos ainda ser inadequado ou insuficiente e que colocava em perigo as coleções e a zoologia no Brasil.

O drama pessoal de Louri é outra tragédia da zoologia brasileira, com uma simbologia própria: se a tragédia do Butantan envolveu a perda de milhares de exemplares coletados ao longo de várias gerações de zoólogos, a tragédia de Louri envolve a perda futura de um número desconhecido de exemplares que não serão coletados por ele e pelas novas gerações num país cada vez menos informado sobre o que é, para que serve e como é regulada legalmente a coleta científica.

Vamos, como sociedade, exigir justiça nesse caso e evitar um final kafkaiano para “O Processo” de Louri Klemann Jr. Primeiramente, Louri precisa de nosso apoio para inocentá-lo de qualquer acusação de má-fé nesse episódio, como bem demonstram as condições e o contexto da coleta dos guarás em Guaratuba, além das credenciais por ele obtidas durante sua carreira profissional. Louri precisa da nossa ajuda e testemunho para se defender nos mais diversos processos que estão sendo abertos contra ele, inclusive aqueles que lhe cobram multas de valores insólitos, que devem estar lhe gerando uma angústia indescritível e com certeza o desestimulando a continuar com a atividade de coleta científica no futuro.

Além disso, temos que ativamente buscar espaço na imprensa e quaisquer foros para réplicas, esclarecimentos, retratações e ações afins, sempre que a coleta científica tiver uma cobertura parcial e sensacionalista, que contribui para repercuti-la negativamente junto à opinião pública. É inclusive uma sugestão minha instituir na Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ) e Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO), às quais sou filiado, comissões internas para esses casos, com a atribuição de avaliar cada caso e, quando oportuno, se pronunciar sempre que necessário junto à imprensa e o grande público de um modo geral. Não seria tampouco absurdo pensarmos em algum tipo de assistência jurídica permanente e de qualidade respaldando o trabalho dessas comissões.

Os personagens de Franz Kafka refletem sempre aquele que foi o drama pessoal do próprio autor: um indivíduo que, pela sua singularidade, sempre se sentiu culpado por ser diferente e aprendeu a não esperar outra coisa do mundo a não ser a rejeição gratuita associada à aniquilação. Num determinado ponto de “O Processo”, percebemos que toda a busca pelos termos e mesmo sentido da acusação sobre Joseph K. é inútil, já que o próprio protagonista começa a se sentir culpado por um crime cujo teor ele mesmo desconhece. Portanto, Joseph K. acaba aceitando a pena capital que lhe é decretada até com um certo alívio, já que o seu grande “crime” afinal era e sempre foi a sua própria existência. Em resumo: Joseph K. já nasceu culpado de um crime a ser punido com a pena capital.

De modo análogo, a imprensa, boa parte da opinião pública e pelo menos um conselho regional de biologia tem o mesmo posicionamento sobre a coleta: sua simples concepção é errada e meritória de punição exemplar. Mesmo sem jamais ter ido às verdadeiras fontes, mesmo sem sequer ouvir as duas partes; mesmo sem admitir qualquer tipo de defesa.

Que isso não se repita mais com as coletas científicas no Brasil. Que nós não deixemos o obscurantismo transformar essa atividade prevista e regulada por lei e praticada por amantes e filósofos do mundo natural num crime banal, tornando-a equivalente ao desmatamento, especulação imobiliária e tráfico de animais silvestres, esses sim, os grandes vilões da fauna brasileira.

Alexandre Aleixo, Ph.D.
Curador da Coleção Ornitológica/Curator of Birds
Coordenação de Zoologia/Dept. of Zoology
MCT/Museu Paraense Emílio Goeldi


Fotos:
Figura 1: Eudocimus ruber (http://guiadolitoral.uol.com.br/imgnoticia/guar%C3%A1_281208.jpg)
Figura 2Plegadis chihi (http://farm3.static.flickr.com/2481/3720810358_459b527241.jpg?v=0)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Biologia e você, nada a ver?

Esse é um texto que eu escrevi a pedido do "CEB Informa" de junho, o jornal do centro estudantil da Biologia da FFCLRP, USP. 

Por Rafaela L. Falaschi

"É comum entrarmos na faculdade já direcionados para o que vamos “querer fazer”. Genética, ecologia, fisiologia, biologia marinha, etc. A partir de então já vamos gostando mais dessa matéria do que daquela outra, essa é importante para mim, a outra não, e assim por diante. Afinal, temos que conduzir nossa formação e currículo da melhor forma possível, certo? Certíssimo. Mas como conduzir? Descobri que queria ser “cientista de bicho” aos seis anos de idade, numa aula onde a professora levou minhocas, cachorros, gatos e aves nas aulas durante uma semana. Para o infortúnio da minha família, a decisão permaneceu e voilà, me tornei bióloga. Esse foi meu sonho, vontade, desejo, inclinação profissional, ou seja lá como desejem chamar: fazer biologia! E para isso dediquei meus esforços para este objetivo e ingressei em uma faculdade de Ciências Biológicas. Mas qual não foi o meu susto, e ainda é, ao notar que o mais difícil na faculdade foi (e continua sendo) se formar biólogo. Uma grade curricular abarrotada de disciplinas, muitas vezes descontextualizadas e por vezes conduzidas por professores que não são da área, muitas atividades, pouca orientação do que fazer, como fazer, o quanto fazer. E isso tudo logo após sairmos de um mundo totalmente distinto, onde fazemos o que nos dizem, estudamos o que vai cair na prova, lemos os livros que exigem. Como aprender e apreender nessa vida nova? Pois é aí que mal orientados e perdidos, vamos fazendo como no colegial/cursinho, fragmentando a ‘escola’ em matérias distintas e desconexas, conduzindo nossos estudos para o que queremos “ser” e “fazer”. Antes, queríamos biologia, mas agora queremos genética, ecologia, zoologia... Mas não era biologia??? Quando percebemos o dano causado, ou estamos no fim do curso, ou já nos formamos ou (acreditem) nem percebemos. E de não perceber ou fazê-lo muito tarde, é que vêm as aulas esquisitas, sem contexto, “chatas”, as matérias “que eu não gosto”, “não estudo”, “não preciso”, etc. Não conseguimos integrar a própria biologia. Todo biólogo tem que saber o que é taxonomia, saber ler um cladograma, saber história e filosofia da ciência, exercitar a divulgação científica, entender os fundamentos básicos de genética e evolução, de botânica, de ecologia, de anatomia, fisiologia, imunologia, etologia, entre outras. Infelizmente, não podemos esperar que todas as aulas sejam boas, que se inter-relacionem, que as grades fiquem mais enxutas, etc. Devemos buscar essas coisas, mesmo sabendo que não consigamos para nosso usufruto. Na carreira de biólogo, ter tudo isso em mente é um exercício que cabe a cada um de nós, fundamental para sermos bons educadores, pesquisadores, profissionais e, claro, felizes."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Monstros primitivos inalterados por milhões de anos?

Por Felipe Chinaglia Montefeltro

Os crocodilianos, como são convencionalmente denominadas as espécies viventes de jacarés, crocodilos e gavial, sempre me fascinaram. A idéia de um grande predador de “sangue frio” capaz de subjugar os tão famigerados animais de “sangue quente” me encanta desde sempre. Em minha opinião, uma das seqüências de imagens mais impressionantes já registradas, repetidamente exibidas em programas de vida selvagem (felizmente!), são as manadas de gnus durante sua migração anual atravessando os rios do parque nacional do Serengeti (Tanzânia, África), enquanto crocodilos do Nilo (Crocodylus niloticus) lançam seus ataques fulminantes. Alguns destes crocodilos alcançam mais de 4,5 metros, e suas mandíbulas são capazes de prender facilmente o dorso de um gnu adulto, que dificilmente escapa quando o ataque é bem sucedido.
            Os crocodilianos, formalmente incluídos num grupo maior, conhecido por Crocodyliformes, representam uma ínfima parte de toda a diversidade das mais de 50.000 espécies de vertebrados. Atualmente são reconhecidas 23 espécies para os crocodiliformes, perfazendo por volta de 0,046% dos táxons conhecidos de vertebrados viventes. Esta mínima porção fica evidenciada quando comparamos os crocodilianos às mais de 25,000 espécies de peixes de nadadeira raiada (Actionopterygii) ou às mais de 9,100 espécies de aves. As 23 espécies são incluídas em 8 gêneros e 3 famílias exibindo uma distribuição circuntropical. A família Gavialidae abrange um único gênero e uma única espécie, Gavialis gangeticus, que se distribui do Paquistão até Myanmar. A Família Crocodylidae apresenta a distribuição mais ampla do grupo circunscrevendo três gêneros (Crocodylus, Tomistoma e Osteolaemus) que se distribuem pela América Central, norte da América do Sul, África subsaariana, Índia oriental, sudeste asiático (continental e insular) e Oceania, incluindo a região norte da Austrália. A família restante (Alligatoridae) inclui os “jacarés” e aligátores. Esta família inclui 4 gêneros (Alligator, Cayman, Melanosuchus e Paleosuchus) e possui distribuição por toda a América tropical, além de uma única espécie (Alligator sinensis) ocorrendo no extremo leste da China, o que representa uma interessante questão biogeográfica.



Crocodylus niloticus
Gavialis gangeticus
Alligator sinensis

Prescindindo a inegável afirmação de que a “similaridade existe nos olhos do observador”, todas as espécies atuais de crocodilianos apresentam ecologia e morfologia muito semelhantes, acarretando na idéia de um grupo monótono e homogêneo. Esta visão é extrapolada também para toda a história evolutiva dos Crocodyliformes. Tal extrapolação ocorre porque, com base nos fósseis, é possível reconhecer que durante grande parte da história evolutiva do grupo houve formas semi-aquáticas predadoras de espreita e com focinho comprimido, que de uma maneira geral são semelhantes às formas atuais. Deste modo, concluiu-se que o grupo como um todo permaneceu morfologicamente estático desde o Mesozóico (250-65 milhões de anos). Buckland foi o primeiro a afirmar (em uma tradução livre) em 1836 que “os répteis fósseis da família crocodiliana não se diferenciam muito dos gêneros viventes não requerendo qualquer descrição sobre algo peculiar”. Nem mesmo a adoção do paradigma evolutivo foi capaz de alterar tal perspectiva de imediato.
Todavia, esta visão vem se alterando ao longo das últimas décadas, especialmente com a descoberta, e reavaliações, de alguns fósseis de Crocodyliformes de morfologia peculiar conjuntamente com novas análises filogenéticas para o grupo. Neste contexto, o Brasil contribuiu muito com a mudança sobre o entendimento da evolução do grupo. Formas encontradas em rochas do Cretáceo (150-65 milhões de anos) do Brasil têm sugerido a existência de hábitos alimentares diferentes da atual “carnívora estrita” encontrada para as espécies recentes. Como por exemplo, Sphagesaurus huenei e Candidodon itapecuruensis que possuem dentição posterior diferenciada que possivelmente estariam relacionadas a alimentação onívora ou herbívora. Ainda, as famílias Baurusuchidae e Peirosauridae, que não são restritas ao Brasil, representam formas predadoras de médio porte, com dentes curvados portando margens serrilhadas, lembrando dentes de dinossauros carnívoros terópodes. A morfologia de sua narina externa, coluna e membros sugerem, ainda, que seriam animais terrestres e predadores ativos.
Outros muitos exemplos de fósseis de Crocodyliformes recém descobertos (ou reestudados) poderiam ser citados como exemplos de mudanças no entendimento sobre a evolução do grupo; alguns, como os supracitados, exemplificam tal mudança em vários aspectos, outros simplesmente alteram sutilmente a percepção sobre uma única característica. Adicionalmente às morfologias incomuns destes fósseis, as análises filogenéticas atuais apontam algo também interessante. Tais estudos apontam que espécies semi-aquáticas predadoras de espreita e com focinho comprimido são associadas a diferentes grupos, tendo sido selecionadas independentemente mais de uma vez durante a evolução do grupo. Sendo assim, baseada no conhecimento atual sobre a evolução do grupo, a morfologia aparentemente “primitiva” dos Crocodyliformes atuais deve ser encarada como algo modificada, não havendo justificativas para encarar estes animais como fósseis vivos inalterados por milhões de anos. O que, em minha opinião, tornaria ainda mais interessante as imagens dos crocodilos atacando um bando de gnus no Serengeti. Agora não mais como monstros primitivos, resquícios de um mundo antigo dominado por répteis gigantes, mas sim, um grupo de predadores relativamente recentes e especializados!


Sphagesaurus montealtensis
Sphagesaurus montealtensis

Montealtosuchus arrudacamposi

Fonte das figuras e Para saber mais:

Diversidade de Crocodiliformes:
Crocodylus niloticus: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/39/Crocodylus_niloticus.jpg
Gavialis gangeticus: http://www.biolib.cz/IMG/GAL/7992.jpg
Alligator sinensis: http://www.brim.ac.cn/brime/bdinchn/photo/29.jpg

As figuras e reconstituição do Sphagesaurus montealtensis foi retirado de:
Andrade MB, Bertini RJ. 2008. A new Sphagesaurus (Mesoeucrocodylia: Notosuchia) from the Upper Cretaceous of Monte Alto City (Bauru Group, Brazil), and a revision of the Sphagesauridae. Hystorical Biology 20:101-136.

Já a foto do Montealtosuchus foi retirada de
Carvalho IS, Vasconcellos FM, Tavares SAS. 2007. Montealtosuchus arrudacamposi, a new peirosaurid crocodile (Mesoeucrocodylia) from the Late Cretaceous Adamantina Formation of Brazil. Zootaxa 1607:35-46.

Sobre o autor:
Felipe Chinaglia Montefeltro é doutorando em Biologia Comparada pela FFCLRP-USP, concentra seus estudos nas relações filogenéticas dos Rhynchosauria e Crocodyliformes. Apesar de ter se envolvido com os estudos dos fósseis desde os primeiros passos da carreira acadêmica (como resultado de uma infância e adolescência "dinonerd"), se interessa em quase qualquer assunto em que a biologia esteja envolvida, especialmente evolução. Lattes.


Por aí...



Prorrogado o prazo para inscrições de trabalhos no 2º Salão Nacional de Divulgação Científica 
30/06/2010 22:35

Está prorrogado para o próximo domingo (4/7) o prazo final para inscrição de trabalhos na Mostra Científica do 2º Salão Nacional de Divulgação Científica.

De acordo com o Edital, a intenção da Mostra é permitir uma integração dos estudantes de Ensino Médio, Técnico, Graduação e Pós-Graduação e a difusão das diversas pesquisas produzidas no Brasil.

Assim, poderão apresentar trabalhos estudantes de qualquer nível de ensino, vinculados a instituição de ensino e/ou pesquisa no país ou no exterior. O prazo final para inscrições de trabalho foi prorrogado para 4 de julho. Acesse o formulário de inscrição online. 

A taxa de inscrição para o 2º Salão de Divulgação Científica da ANPG é de R$ 20,00 e deve ser depositada na seguinte conta:

Banco do Brasil
Titularidade: Associação Nacional de Pós-graduandos
Agência: 4328-1
Conta Corrente: 6698-2

O comprovante deverá ser enviado por e-mail para o endereçosalaonacional@salaonacional.org.br ou apresentado no dia da Mostra.

A inscrição (tanto no Salão como na Mostra) não dá direito a alojamento, alimentação ou transporte.