sexta-feira, 11 de março de 2011

Ciência Histórica e Ciência Experimental: Sobre Sistemática e Evolução


Por Leandro Assis

Ciência é um processo de investigação e descoberta, fundamentado num arcabouço grandioso de conceitos, métodos, teorias e observações. Podemos dividir a ciência em experimental e histórica. Na ciência experimental, as condições de um certo experimento são geralmente controladas. Os resultados obtidos são a base para formular predições, que, quando sujeitas a testes sucessivos, podem ser refutadas ou não. Dessa forma, o cientista experimental tem maior controle de sua análise, desde o presente até o futuro. No caso da ciência histórica, o cientista não consegue controlar facilmente as condições de análise, uma vez que investiga eventos passados, não mais observáveis, pois esses aconteceram há centenas, milhares, milhões ou bilhões de anos. Como exemplos, destacam-se a extinção dos dinossauros (exceto aves), a origem das angiospermas e o Big-Bang. Para descobrir tais eventos, o cientista investiga um conjunto de evidências (dados) ou traços históricos potencialmente relacionados aos próprios eventos. Ou seja, o cientista histórico não faz predições, ele realiza uma inferência, quando um conjunto de evidências ou traços históricos é usado para confirmar um evento já ocorrido.
A integração entre sistemática e evolução insere um componente histórico na pesquisa da biodiversidade. Nesse contexto, o papel do sistemata ou do biólogo evolutivo é descobrir como as relações de parentesco (genealógicas ou filogenéticas) da biodiversidade aconteceram ao longo de sua evolução. Ou seja, o sistemata procura descobrir e explicar o padrão evolutivo da árvore da vida. Ele investiga, por exemplo, quem, entre o abacate, a laranja e a maçã, são mais próximos genealogicamente ou filogeneticamente. Com base na comparação de características morfológicas e genéticas  e na utilização de certos métodos e modelos matemáticos, os sistematas têm confirmado que a maçã e a laranja possuem um ancestral comum mais recente em relação ao abacate. Mas a laranja, a maçã e o abacate possuem um ancestral comum mais recente em relação à samambaia.
Existem diversos problemas dentro da ciência biológica histórica com relação à descoberta do padrão evolutivo da árvore da vida. As espécies que vivem hoje são apenas uma pequena parte de toda biodiversidade que existiu na Terra ao longo de sua história. Dessa maneira, o trabalho do sistemata é bastante desafiador e se compararia a montar um quebra-cabeça no qual várias peças (informações) estão faltando. A árvore da vida tem um padrão único. Esse é um fato histórico. Todavia, diferentes tipos de evidências (dados) ou traços históricos podem resultar em diferentes hipóteses. Como consequência, os sistematas podem formular diversas teorias sobre um mesmo mundo ou realidade evolutiva, o que explica as conflitantes classificações de um mesmo grupo de organismos.
Para entendermos a diferença entre ciência histórica e ciência experimental, então, é necessário entendermos a assimetria temporal dos eventos naturais. A ciência histórica usa as evidências que existem no presente para inferir eventos passados, enquanto a ciência experimental prevê eventos futuros. No entanto, tais relações podem se sobrepor. Certos pesquisadores acreditam que a análise experimental é científica, porque as observações podem ser criteriosamente controladas e testadas. Já no caso da análise histórica, onde as variáveis ambientais não podem ser facilmente controladas e os eventos não são observáveis, os críticos dizem que tal análise é frágil e imprecisa, portanto, não científica. No entanto, uma vez que entendemos a assimetria temporal dos eventos naturais e os tipos de evidência contemplados, tal consideração torna-se filosoficamente insustentável. As duas formas de análise, portanto, são genuinamente científicas.

Agradecimentos
Agradeço aos organizadores do blog ‘Ciência é...’, Lívia Pinheiro, Pedro Da Pos, Rafaela Falaschi, e também à Vanessa Roma pelos comentários e correções valiosos.


Sobre o autor
Leandro Cézanne de Souza Assis É sistemata filogenético, que busca a compreender e organizar a biodiversidade em constante transformação, desde os tempos mais remotos até os dias de hoje. Estuda em particular as lauráceas, plantas com flores (angiospermas), que agrupam o abacateiro, a cânfora, as canelas e o louro. Nas horas vagas, caça borboletas do gênero Vanessa, anda de ‘esqueite’ e vai ao cinema. Lattes.

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