terça-feira, 20 de abril de 2010

Porque as espécies estão onde estão?

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Por Jéssica Paula Gillung
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Se pensarmos um pouco acerca da distribuição dos organismos, facilmente podemos perceber que os seres vivos não ocorrem uniformemente sobre a superfície da Terra. Pelo contrário, existem áreas que possuem uma diversidade de espécies maior que outras áreas, enquanto há espécies diferentes ocupando áreas semelhantes. Além disso, alguns grupos são restritos a uma dada área, enquanto outros apresentam ampla distribuição. Porém, apenas afirmar que esta ou aquela espécie é exclusiva de uma dada área não fornece explicação sobre a razão de ela estar onde está.
            Foi a partir da tentativa de se compreender os padrões gerais de distribuição das espécies, a relação da biota com suas áreas de distribuição e a própria relação entre estas áreas é que surgiu a biogeografia, talvez a mais ampla, abrangente e multidisciplinar das ciências biológicas. Existem três componentes que devem ser avaliados em conjunto para o entendimento dos padrões de distribuição: espaço (área geográfica de ocorrência dos organismos), tempo (eventos históricos que influenciaram os padrões atuais) e forma (os grupos de organismos). Em suma, a biogeografia é a ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos no espaço através do tempo, com o objetivo de entender os padrões de organização espacial dos organismos e os processos que resultaram em tais padrões (tais como vicariância, dispersão e extinção). É uma disciplina complexa e multifacetada, que relaciona informações de diversas outras ciências, tais como a geografia, geologia, ecologia, etc.
            Não é nosso objetivo fornecer um histórico muito detalhado, mas sim apresentar os conceitos e idéias mais importantes e curiosas para que se compreenda que a biogeografia não surgiu de sobressalto, de uma hora para outra. Pelo contrário, a disciplina passou por um processo muito longo de construção, que se deu através do acúmulo de contribuições de diversos pesquisadores, notadamente no século XVIII e XIX.
        Sendo assim, podemos dividir a história de formação da biogeografia em dois períodos muito distintos:
         1) o período pré-evolutivo, no qual se acreditava no fixismo das espécies, na constância e estabilidade da Terra, em um centro de origem e dispersão; e 2) o período evolutivo, que incorpora as idéias de mudanças tanto da biota (evolução) quanto da própria Terra às explicações biogeográficas, resultando no paradigma vicariante que serviu de base para a biogeografia histórica, que será melhor detalhada no decorrer do texto. 

O desenvolvimento do pensamento biogeográfico
            Desde muito cedo na história da humanidade o homem já tinha a curiosidade de saber por que as espécies estão onde estão. Diversos povos possuem explicações para a origem e distribuição tanto do homem quanto das demais espécies, a maioria delas pautadas em explicações religiosas. No entanto, as idéias iniciais trazem implícitos dois conceitos que perduraram durante muito tempo como única explicação plausível para os padrões observados: a idéia de centro de origem e o processo de dispersão. Acreditava-se que todos os organismos surgiram em uma só área – o centro de origem – e que posteriormente se dispersaram a partir dali, ocupando toda a superfície da Terra (Fig. 1). Uma das mais antigas teorias biogeográficas é encontrada no Livro do Gênesis. De acordo com ela, todos os organismos foram criados no Éden e a partir daí se dispersaram para as outras regiões do globo. O mesmo raciocínio se aplica à idéia da Arca de Noé (Fig. 2) e da Torre de Babel (Fig. 3): as espécies e povos, respectivamente, surgiram no centro de origem e então se dispersaram e se diversificam a partir dele.

 Fig. 1. Topografia do Paraíso terrestre, o centro de origem de todas as espécies (Athanasius Kircher, 1675).

Fig. 2. O ingresso dos animais na Arca de Noé (Athanasius Kircher, 1675)

Fig. 3. A Torre de Babel (Athanasius Kircher, 1679)

         Até então, a teoria biogeográfica fornecida pela Bíblia parecia explicar satisfatoriamente a ocupação da Terra por homens, animais e plantas após o dilúvio. No entanto, surgiram alguns problemas à medida que mais informações eram agregadas ao conhecimento humano, tais como a descoberta de novos continentes e de novas espécies. Nesse sentido, uma das principais questões a serem respondidas pelos primeiros biogeógrafos era: quantas e quais espécies Noé teria transportado em sua Arca? Uma das figuras mais importantes nesse cenário foi o padre jesuíta Athanasius Kircher (Fig. 4), que concluiu que Noé não levou consigo na Arca todos os animais, mas apenas algumas espécies. As demais espécies de animais e também as plantas surgiram por geração espontânea ou por hibridização entre espécies. Kircher não só calculou e estabeleceu o tempo de duração do dilúvio, como também estabeleceu as dimensões da arca, incluindo seus corredores, passagens e cômodos onde cada espécie teria sido alojada. Ele considerou a existência de três andares na embarcação e fez a planta de distribuição de todos os cômodos, tanto dos espaços dos onde cada animal foi alocado, quanto dos locais de armazenamento de água e alimento. 

Fig. 4. Athanasius Kircher.

            Mais tarde, com a “descoberta” da América pelos europeus, surgiu a necessidade de se remodelar as teorias da época para explicar a existência da fauna americana. Como explicar a ocorrência de animais totalmente diferentes daqueles encontrados na Europa? E como era possível encontrar animais a milhares de quilômetros de distância do centro de origem? As primeiras hipóteses para se explicar a dispersão dos animais do Velho para o Novo Mundo foram baseadas na existência de pontes intercontinentais: uma ligação física entre a Europa e as Américas que possibilitou o deslocamento de animais, mas que posteriormente desapareceu (Fig. 5). E para justificar a existência de animais completamente diferentes daqueles encontrados na Europa foi postulada a “cópula promíscua” entre as espécies, segundo a qual as espécies puras, criadas diretamente por Deus, se intercruzaram para gerar híbridos. Ou seja, as espécies puras, criadas na Europa, foram cruzando-se e degenerando-se, dando origem às espécies encontradas no Novo Mundo. Por exemplo, Kircher sugeriu que o tatu americano é resultante do cruzamento entre a tartaruga e o porco-espinho.

Fig. 5. Atlântida, uma ponte situada entre a África (à esquerda) e a América (à direita) (Athanasius Kircher, 1644).

                 No entanto, foi Carolus Linnaeus (1707 – 1778) (Fig. 6) quem formulou a primeira grande teoria biogeográfica dos tempos modernos, de acordo com a qual áreas distintas da Terra, com a mesma ecologia, deveriam possuir exatamente a mesma flora. Ou seja, plantas que habitam áreas semelhantes, mas em continentes diferentes, deveriam pertencer à mesma espécie. Linnaeus, no entanto, não levou em consideração os animais, desconsiderando o problema de sua dispersão.








Fig. 6. Carolus Linnaeus.

            Posteriormente, Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707 – 1788) (Fig. 7) examinou as espécies de mamíferos do Velho Mundo conhecidas na época e mostrou que a maioria delas não possuía correspondentes na América, isto é, eram espécies exclusivas do Velho Mundo. A partir de suas descobertas foi formulada a Lei de Buffon, segundo a qual diferentes regiões do globo, apesar de compartilharem as mesmas condições, são habitadas por diferentes espécies de animais e plantas. Os estudos de Buffon sugerem causas históricas para os padrões de distribuição, ou seja, ou o grupo de organismos surgiu naquela dada área ou veio de outro lugar. No primeiro caso, se for uma espécie, implica em dizer que a especiação ocorreu naquela área; no segundo caso, houve dispersão e conseqüente colonização.

Fig. 7. Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon.

A biogeografia histórica
          No entanto, foi apenas após a ampla aceitação da teoria da evolução que a biogeografia passou a ser concebida da forma como a entendemos atualmente. A teoria da evolução serviu de base para a construção de novos conceitos amplamente empregados hoje – tais como a vicariância – que serão discutidos a seguir.         
          Didaticamente, podemos subdividir a biogeografia em dois ramos principais:






            1) biogeografia ecológica, responsável por estudar os processos a curto prazo que atuam sobre o padrão de distribuição dos organismos em função de suas adaptações às condições atuais do meio e
            2) biogeografia histórica, relacionada com os processos históricos que atuam sobre o padrão de distribuição dos organismos.
            A biogeografia histórica nos mostra que processos históricos de alterações no habitat podem ser usados para explicar padrões de distribuição diferentes do esperado ao acaso. Ela apresenta diversos métodos que possibilitam a reconstrução da história e do relacionamento entre as áreas, através do estudo das espécies que as ocupam. Sua base está alicerçada na fusão das idéias de León Croizat (1894 - 1982) (Fig. 8) e de Alfred Wegener (1880 - 1930) (Fig. 9).
            Croizat foi um botânico italiano responsável por uma das mais importantes contribuições à biogeografia: o desenvolvimento da idéia de vicariância – a fragmentação de uma população ancestral por uma barreira geográfica, levando ao impedimento de fluxo gênico e posterior especiação. A proposição da vicariância para explicar os padrões de distribuição foi um grande avanço em relação às explicações dispersionistas em termos de capacidade de explanação e de teste. Isso porque os eventos de dispersão são eventos individuais, pontuais, uma vez que cada espécie tem sua própria capacidade e rota de dispersão. Por essa razão, explicações dispersionistas não são passíveis de teste, pois não ocorrem concomitantemente em dois organismos diferentes devido aos mesmos processos. Eventos de vicariância, ao contrário, são eventos que envolvem vários táxons ao mesmo tempo e por isso são passíveis de teste através da comparação com outros grupos que ocupam a mesma área. Além do conceito de vicariância, Croizat é o autor de uma das mais célebres idéias da biogeografia: “A Terra e a vida evoluem juntas”.  De acordo com ela, a biota e a área que abriga tal biota apresentam histórias correlacionadas. Desse modo, a história geológica da Terra pode fornecer subsídios para se compreender a história dos organismos, assim como a história dos organismos pode ajudar-nos a entender a história do nosso planeta.
            Alfred Wegener, por sua vez, foi um meteorologista e geólogo alemão responsável pela proposição da teoria da Deriva Continental, segundo a qual os continentes já estiveram unidos no passado, formando um supercontinente chamado Pangea. Com o passar do tempo a Pangea sofreu fragmentação e os blocos continentais resultantes foram afastando-se de modo que as suas formas e posições modificaram-se até atingirem a conformação atual. Wegener construiu sua teoria com base nas semelhanças dos contornos dos continentes, que sugerem um encaixe, e também na similaridade entre fósseis tanto de animais quanto de plantas encontrados em diferentes continentes. Ele não foi o primeiro a sugerir que os continentes já estiveram unidos, mas foi o primeiro a apresentar evidências extensas de vários campos de estudo que comprovaram sua teoria. Essas evidências, aliadas a um conhecimento mais profundo da geologia da Terra, hoje são reunidas na teoria da Tectônica de Placas. A crosta terrestre, segundo esta teoria, seria formada por diversas placas rígidas que se movem umas em relação às outras, sendo carreadas por lentas correntes de convecção existentes no interior do planeta. O advento da tectônica de placas fez com que os biogeógrafos mudassem o enfoque de suas explanações. A aceitação da mobilidade dos continentes para explicar as distribuições biogeográficas dos organismos fornece um meio de se testar as hipóteses de vicariância. 
           

Fig. 8. Leon Croizat.
Fig. 9. Alfred Wegener.

            Apesar de sua enorme complexidade de conceitos, a biogeografia não é unicamente importante no âmbito acadêmico, tampouco é restrita à agregação de informações puramente empíricas. Sob o ponto de vista prático, a biogeografia é uma ferramenta extremamente útil, por exemplo, para a conservação da biodiversidade. Os métodos de reconstrução da história biogeográfica têm sido muito valorizados no reconhecimento das áreas de endemismo, que são unidades complexas e relevantes sob o ponto de vista histórico e evolutivo, e que, portanto, devem ser preservadas. O panorama atual de escassez de recursos destinados à criação e manutenção de unidades de conservação, aliada à pressão no sentido de destruição de habitats, exige que as áreas a serem protegidas sejam cuidadosamente escolhidas, o que é possível utilizando-se os métodos da biogeografia histórica.
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Fonte das figuras:
Fig. 1: www.historycooperative.org/journals/ahr/110.5/images/smail_fig04b.gif
Fig. 2: www.kenjirookazaki.com/arch/beyond/05Athanasius-Kircher
Fig. 3: www.anfrix.com/2006/03/turris-babel-athanasius-kircher/Posts/anfrix_pic_02_2.jpg
Fig. 4: www.voynich.nu/img/gallery/kircher.jpg
Fig. 5: www.rose-croix.org/mediatheque/Video/images_atlantide/carte_atlantide_kircher.gif
Fig. 6: http://cr4.globalspec.com/PostImages/200705/Carolus_Linnaeus_BA6426C3-C281-147D-7FDB4FD76FC18741.jpg
Fig. 7: http://institucional.us.es/darwin09/buffon.jpg
Fig. 8: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/6d/Leon_Croizat-ru.jpg/200px-Leon_Croizat-ru.jpg
Fig. 9: www.iki.rssi.ru/mirrors/stern/earthmag/Figures/wegener.gif 






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Para ler:





Em português:
Amorim, D.S. 1997. Elementos básicos de Sistemática Filogenética. 2a. ed. Ribeirão Preto, Sociedade Brasileira de Entomologia. 276 p.

Carvalho, C.J.B. 2004. Ferramentas atuais da Biogeografia histórica para utilização em conservação, p. 92-103. In: Milano, M.S.; Takahashi, L.Y. & Nunes, M.L. (org.). Unidades de Conservação: atualidades e tendências. Curitiba, Fundação O Boticário de Proteção da Natureza. 208 p.

Papavero, N.; Teixeira, D.M. & Llorente-Bousquets, J. 1997. História da Biogeografia no período Pré-evolutivo. São Paulo, Plêiade/Fapesp. 258 p.

Em inglês:
Bremer, K. 1992. Ancestral areas: a cladistic reinterpretation of the center of origin concept. Systematic Biology 4: 436-445.

Brown, J.H. & Lomolino, M.V. 2006. Biogeografia, 2a.. ed., Sinauer Associates Pub.

Cox, C.B. & Moore, P.D. 1993. Biogeography. An ecological and evolutionary approach. 5ª ed.. Oxford, Blackwell Science Ltd. 326 p.

Cracraft, J. 1988. Vicariance biogeography: theory, methods, and applications. Systematic Zoology 37: 219-220.

Craw, R.C. 1984. Biogeography and biogeographical principles. New Zealand Entomologist 8:49-52.

Craw, R.C. 1984. Never a serious scientist: the life of Leon Croizat. Tuatara 27: 5-7.

Crisci, J.V.; Katinas, L. & Posadas, P. 2003. Historical Biogeography: an introduction. Cambridge, Harvard University Press. 250 p.

Humphries, C.J. 2000. Form, space and time; which comes first ? Journal of Biogeography 27: 11-15.

Morrone, J.J. 1993. Beyond binary oppositions. Cladistics 9: 437–438.

Morrone, J.J. 2004. Homología biogeográfica: las coordenadas espaciales de la vida. Cuadernos del Instituto de Biología 37, Instituto de Biología, UNAM, México D.F.

 Sobre o autor:

         Jéssica Paula Gillung, apaixonada por ciências naturais desde que se conhece por gente, decidiu já muito cedo na vida que a Biologia seria sua profissão. Concluiu sua graduação em 2008 na Universidade Federal do Paraná, onde descobriu o maravilhoso mundo dos insetos. Em 2009 ingressou no mestrado na Universidade de São Paulo, no curso de pós-graduação em Zoologia, atualmente no primeiro ano de curso. Amante da entomologia, seu objeto de estudo sempre foram os dípteros. Seu grupo de interesse é Acroceridae (Diptera), um pequeno grupo de moscas com biologia extremamente interessante, mas que carece de estudos aprofundados de Taxonomia e Sistemática. Por isso, seu projeto de pesquisa foca os aspectos taxonômicos do grupo, buscando compreender e organizar sua diversidade, em especial na região Neotropical.
Currículo Lattes

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Salvar a vida no nosso Planeta?

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      A internet é uma fonte muito rica em coisas boas e ruins. E nisso incluímos textos, vídeos, reportagens etc. Vamos fazer uma seleção de alguns desses (bons) vídeos e compartilhar aqui no nosso espaço periodicamente. O vídeo que se segue é uma palestra proferida pelo biólogo Edward O. Wilson, mencionado já algumas vezes aqui. Ele fala sobre nosso planeta e sobre cuidar dele. Vale a pena ver e pensar sobre o assunto, especialmente quando recentenmente, outro biólogo conversacionista famoso James Lovelock (proponente da Teoria de Gaia, que veremos melhor num próximo texto) fez uma declaração polêmica à BBC de Londres (vejam o vídeo em inglês aqui), onde diz que a humanidade não é capaz de salvar o planeta. Certo ou errado, o assunto é muito delicado. As interpretações podem ser inúmeras e mesmo que não sejamos capazes de "salvar" nosso planeta, nossa casa, devemos, de qualquer modo, não cuidar dela?

E.O. Wilson on saving life on Earth

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Segue a transcrição da palestra em português:

"Por toda minha vida imaginei o que "estupefação" singnificava. Depois de dois dias aqui, eu me declaro estupefato, e enormemente impressionado, e sinto que vocês representam uma das grandes esperanças. Não apenas para realizações norte-americanas em ciência e tecnologia, mas para o mundo todo. Eu venho, entretanto, em uma missão especial em favor dos meus cidadãos. Que são da décima à décima oitava potência -- isso é um milhão de trilhões --insetos e outras pequenas criaturas, e fazer um pedido por elas. se nós fôssemos eliminar os insetos apenas, só esse grupo, do planeta -- o que estamos tentando arduamente fazer -- o resto da vida e a humanidade praticamente desapareceriam junto da terra. E dentro de poucos meses. Agora, como eu cheguei a essa posição particular de defesa?
Daquele estudo mais amplo emergiu uma preocupação e uma ambição, cristalizada no desejo que estou prestes a fazer a vocês. Minha escolha é a culminação de um compromisso de toda uma vida que começou com a criação na costa do golfo no Alabama, na península da Flórida. Tanto quanto posso lembrar, eu era encantado pela beleza natural daquela região e a quase tropical exuberância das plantas e animais que cresciam lá. Um dia quando eu tinha apenas sete anos e estava pescando, eu fisguei um Sargo -- é como são chamados, com espinha dorsal afiada -- muito brusco e rápido. E me ceguei em um dos olhos. Mais tarde descobri que tinha audição ruim, provavelmente congênita, nas notas altas. Então ao planejar ser um naturalista profissional -- eu nunca me considerei outra coisa a vida inteira -- eu descobri que era ruim para observar pássaros e não podia ouvir o coaxar de sapos também. Então me voltei para as abundantes pequenas criaturas que podem ser seguradas entre o polegar e o indicador. as pequenas coisas que compõe os fundamentos de nossos ecossistemas. As pequenas coisas, como gosto de dizer, que movem o mundo. Ao fazer isso, eu atingi uma fronteira da biologia tão estranha, tão rica que parecia existir em outro planeta. Na verdade, nós vivemos em um planeta quase inexplorado. A grande maioria dos organismos da Terra permanece desconhecida da ciência.
Nos últimos 30 anos, graças às explorações em partes remotas do mundo e aos avanços em tecnologia, biólogos, por exemplo, acrescentaram um terço das espécies conhecidas de sapos, rãs e outros anfíbios, para o total atual de 5.400. E outras continuam a ser acrescentadas. Dois novos tipos de baleias foram descobertos, e dois novos antílopes, dúzias de espécies de macacos e um novo tipo de elefante. E mesmo um tipo diferente de gorila! No extremo oposto da escala de tamanhos, a classe de bactérias marinhas, as Prochlorococci -- que estarão no exame final --ainda que descobertas só em 1988, são agora reconhecidas como os organismos mais abundantes da Terra. E especialmente, responsáveis por boa parte da fotossíntese que ocorre no oceano. Estas bactérias não foram descobertas mais cedo porque elas estão também entre os menores organismos da Terra --tão pequenas que elas não podem ser vistas com a microscopia ótica convencional. Ainda assim a vida marinha deve depender destas minúsculas criaturas.
Estes exemplos são apenas a primeira impressão de nossa ignorância sobre a vida neste planeta. Considerem os fungos -- incluindo cogumelos, "ferrugens", mofos, e muitos organismos causadores de doenças. 60.000 espécies são conhecidas pela ciência mas estima-se que existam mais de 1,5 milhões.Considere o nematelminto, o animal mais abundante. Quatro de cada cinco animais na Terra são nematelmintos -- se todos os materiais sólidos exceto os nematelmintos fossem eliminados, você ainda poderia ver o contorno fantasmagórico de quase tudo como nematelmintos. Em torno de 16.000 espécies de nematelmintos foram descobertos e diagnosticados por cientistas; podem existir centenas de milhares delas, mesmo milhões, ainda desconhecidas. Este vasto domínio de biodiversidade invisível é aumentado ainda maispela matéria escura do mundo biológico das bactérias, das quais ainda durante os últimos anos eram conhecidas apenas em torno de 6.000 espécies no mundo todo. Mas esse número de espécies de bactéria pode ser encontrado em uma grama de terra. em apenas um punhado de terra, das 10 bilhões de bactérias que estariam lá.Se estima que uma única tonelada de solo -- solo fértil -- contenha aproximadamente quatro milhões de espécies de bactérias, todas desconhecidas.
Mas isso está mudando rapidamente com a ajuda de uma nova tecnologia genômica. Já é possível sequenciar o código genético inteiro de uma bactéria em menos de quatro horas. Breve estaremos em posição de ir a campo com sequenciadores na mochila -- para caçar bactérias em minúsculas fissuras da superfície do habitat do mesmo modo que observamos pássaros com binóculos. O que vamos encontrar quando mapearmos o mundo vivo, quando, finalmente, chegarmos ao fundo disso seriamente? Quando deixamos de lado os relativamente gigantes mamíferos, pássaros, anfíbios e plantas para os mais discretos insetos e outros pequenos invertebrados e então além --para os incontáveis milhões de organismos no mundo vivo invisível inseridos e vivendo dentro da humanidade. O que por gerações se pensou serem bactérias descobriu-se que compunham em lugar disso dois grandes domínios de microorganismos: bactérias verdadeiras e organismos unicelulares, as archaea, que estão mais próximos que as outras bactérias dos eucariontes, o grupo de organismos dos quais nós pertencemos.
Alguns biólogos sérios, e eu me considero entre eles, começaram a imaginar que dentro da enorme e ainda desconhecida diversidade de microorganismos, alguém pode -- por acaso -- encontrar alienígenas dentre eles. Alienígenas reais, variedades que vieram do espaço sideral.Eles tiveram bilhões de anos para conseguir, mas especialmente durante o período inicial de evolução biológica neste planeta. Nós sabemos que algumas espécies de bactérias que têm origens terrenas suportam quase inimagináveis extremos de temperatura e outras severas mudanças no ambiente. Incluindo radiação forte o suficiente e com duração suficiente para quebrar os recipientes de Pyrex que contêm a crescente população de bactérias. Pode haver uma tentação de tratar a biosfera holisticamente e as espécies que a compõe como uma grande corrente de entidades que não vale a pena distinguir uma da outra. Mas cada uma destas espécies, mesmo o mais minúsculo Prochlorococci, são obras-primas da evolução. Cada uma persistiu por milhares a milhões de anos. Cada uma é perfeitamente adaptada ao ambiente em que vive,interconectada com outras espécies para formar ecossistemas dos quais nossas próprias vidas dependem de modos que nós não começamos sequer a imaginar. Nós vamos destruir estes ecossistemas e suas espécies ameaçando nossa própria existência -- e infelizmente estamos destruindo eles com engenhosidade e inesgotável energia.
Minha própria revelação como conservacionista veio em 1953, quando estudante de graduação em Harvard procurando por raras formigas nas florestas montanhosas de Cuba. Formigas que brilham ao sol -- verde metálico ou azul metálico e uma espécie, que descobri, dourada. Eu encontrei minhas formigas mágicas, mas apenas depois de uma dura escalada nas montanhas onde o que resta das florestas cubanas nativas está, e estavam -- e ainda estão -- sendo derrubadas. Eu percebi então que estas espécies e uma grande parte de outros únicos, maravilhosos animais e plantas naquela ilha -- e isto é verdade para praticamente todas as partes do mundo -- que demoraram milhões de anos para evoluir, estão em processo de desaparecer para sempre. E o mesmo em qualquer lugar que se procure.
A investida humana está permanentemente erodindo a antiga biosfera da Terra por uma combinação de forças que podem ser resumidas pela sigla "HIPPO", o animal. H é Habitat destruído, incluindo mudanças climáticas forçadas pelos gases estufa. I é Invasão de espécies como as formigas-de-fogo, mexilhão-zebra, ervas daninhas e bactérias patogênicas e viroses que estão invadindo todos os países a uma taxa exponencial, isto é o I. O P, o primeiro em "HIPPO", é Poluição. O segundo é População contínua, expansão da população humana. E a letra final é O, Ostensiva coleta -- levando espécies à extinção pela caça e pesca excessivaA investida HIPPO que nós criamos, se não detida, está destinada -- de acordo com as melhores estimativas da pesquisa de biodiversidade em curso -- a reduzir metade dos ainda sobreviventes animais e plantas da Terra à extinção ou ameaça crítica até o final do século. A mudança climática provocada pela humanidade sozinha -- novamente, se não detida -- pode eliminar um quarto das espécies sobreviventes durante as próximas cinco décadas O que nós e todas as futuras gerações perderemos se a maior parte do ambiente vivo for assim degradada?Enormes fontes potenciais de informação científica ainda a ser encontradas, muito da nossa estabilidade ambiental e novos tipos de medicamentos e novos produtos de inimagináveis forças e valores -- todos jogados fora.
A perda vai infligir um custo pesado em riqueza, segurança e sim, espiritualidade a todo o tempo por vir. Porque cataclismas anteriores deste tipo --o último acabou com a era dos dinossauros --demoram, ou consomem, normalmente, cinco a dez milhões de anos para se consertar.Infelizmente, nosso conhecimento da biodiversidade é tão incompleto que arriscamos perder uma boa parte dele antes mesmo de descobrí-lo. Por exemplo, mesmo nos Estados Unidos, as 200.000 espécies atualmente conhecidas na verdade se descobriu ser apenas uma cobertura parcial; são na maioria desconhecidas de nós em biologia básica.Apenas em torno de 15% das espécies conhecidas foram estudadas bem o suficiente para avaliar sua situação. Dos 15% avaliados, 20% são classificados como "ameaçados." Ou seja, em perigo de extinção. Isso nos Estados Unidos. Estamos, em resumo, em vôo cego para nosso futuro ambiental. Precisamos mudar isto urgentemente. Precisamos ter a biosfera adequadamente explorada para que a possamos entender e gerenciar de modo competente.Precisamos resolver isso antes de destroçar o planeta. E precisamos desse conhecimento.
Isto deveria ser um grande projeto científico equivalente ao Projeto do Genoma Humano.Deveria ser visto como uma viagem à Lua biológica, com um cronograma. Então isto me leva ao meu desejo aos TEDsters, e a qualquer um em todo o mundo que assista a esta palestra.Eu desejo que trabalhemos juntos para ajudar a criar as ferramentas fundamentais que precisamos para inspirar a preservação da biodiversidade da Terra. E vamos chamá-la de "Enciclopédia da Vida." O que é a "Enciclopédia da Vida" -- um conceito que já foi incorporado e está começando a se espalhar e ser visto com seriedade? É a enciclopédia que existe na Internete que recebe contribuições de milhares de cientistas de todo o mundo. Amadores podem ajudar também. Ela tem uma página infinitamente expansível para cada espécie.