Mostrando postagens com marcador Ciência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ciência. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Livro "Serpentes, Arte & Ciência"

Ontem foi lançado o livro "Serpentes, Arte & Ciência", de autoria do biólogo Henrique Moisés Canter,  ocasião na qual também foi aberta a exposição "Serpentes, Arte & Ciência" com as imagens (originais e já restauradas) e ilustradores que motivaram a elaboração desse belo livro. A exposição estará aberta à visitação entre os dias 01 à 14 de novembro, das 10 às 16h, no Centro de Difusão Científica do Instituto Butantan, com entrada gratuita.




 Ainda como parte dos eventos oriundos do lançamento do livro, dia 06 de novembro, às 10 h haverá um seminário sobre o tema "Ciência e Arte", com mediação do Prof. Dr. Nelson Papavero, autor do prefácio do referido livro.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Por aí...


O Curso de Verão em Entomologia é um evento realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Entomologia da Universidade de São Paulo (campus Ribeirão Preto - FFCLRP) e já é tradicionalmente esperado, como evento anual, por estudantes de graduação de todo o país. Desde a sua primeira edição, em 2002, o curso vem adquirindo novos conceitos e formatos, abordando diferentes temas e abrangendo diversas linhas de pesquisa para garantir que o participante tenha noções básicas em entomologia visando à formação e preparação para a pesquisa e a pós-graduação.
Na sua 11ª edição, o curso contará com a presença, já confirmada, de diversos professores e pesquisadores de diferentes instituições de ensino do país que atuam na área de Entomologia. Além da programação tradicional que inclui palestras e minicursos, com aulas teóricas e práticas, haverá um local reservado para exposição fotográfica, com premiações. A programação do evento ainda conta com saída de campo, um recurso importante no processo de ensino-aprendizagem, tendo como objetivo principal fornecer aos participantes a oportunidade de vivenciar e compreender a relação entre os conteúdos aprendidos em sala de aula e a prática de campo. 
 Durante o curso, espera-se a troca de informações e experiências entre alunos de diversas instituições de ensino do país, fundamentados nas diversas linhas de pesquisa da Entomologia, em especial aquelas desenvolvidas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), como: Aspectos Teóricos da Ecologia, Comportamento, Evolução e Taxonomia; Biologia e Genética do Desenvolvimento; Biologia e Sistemática de Insetos Aquáticos; Biologia e Sistemática de Isoptera; Citogenética de insetos; Controle Biológico; Ecologia, Etologia e Evolução de Abelhas e Vespas; Genética, Ecologia e Evolução de Drosophila; Pragas Agrícolas, Nutrição e Comportamento Alimentar; Relação Inseto-Planta; Relação Parasita-Hospedeiro de interesse econômico; Sistemática e Biogeografia de Diptera; Sistemática e Comportamento de Formigas Neotropicais; dentre outros.

domingo, 18 de setembro de 2011

Por aí...

V Semana da Biologia - UFSCar - campus Sorocaba

O Curso de Ciências Biológicas da UFSCar de Sorocaba tem o prazer de convidá-los a participar da sua V Semana da Biologia!
O evento ocorrerá de 10 a 14 de Outubro no campus, e tem como objetivo a socialização e divulgação do conhecimento científico relacionado com a área das Ciências Biológicas, integrando não só alunos da UFSCar de Sorocaba como de outras instituições. O evento contará com 24 palestras, 6 mini-cursos e 3 oficinas.
Informamos que as inscrições estão abertas.
Fique atento que logo mais estaremos disponibilizando mais informações! (Visite o site)

Comissão Organizadora



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Esclarecimento sobre o incêndio na Floresta da USP-RP

O Banco Genético da USP de Ribeirão Preto, que faz parte do que é conhecido por Floresta da USP RP, é o único Banco Genético de mata mesófila semidecidual do Brasil. Ele foi implantado pelo Projeto Floresta da USP RP e possui 45 espécies, com uma diversidade de 3375 progênies coletadas em mais de 400 áreas de fragmentos naturais da Bacia do Pardo-Mogi. O objetivo do Banco é o de conservação genética das espécies nativas assim como fornecer sementes de origem conhecida e qualidade garantida, a fim de recuperar áreas degradadas. Hoje (16/08/2011) um incêndio iniciado por causas desconhecidas devastou grande parte da Floresta da USP, incluindo todos os 45 hectares do Banco Genético. Podemos comparar, embora os números sejam menores, com a perda da coleção do Butantã, ocorrida também por um incêndio, no ano passado. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ficou boa parte do dia coberta por fumaça. Alunos, funcionários e professores lamentam essa grande perda e estão ávidos por uma investigação das causas desse desastre. A Profa. Elenice Mouro Varanda, que dedicou boa parte de sua carreira para a implantação da floresta da USP, pede encarecidamente que divulguem e também o apoio de todos nós.
***

A esperança, ideologia, trabalhos científicos (muitos em andamento), dinheiro público e uma riqueza genética florestal inestimável queimou junto com o Banco Genético da USP - Ribeirão Preto em um incêndio devastador! É lamentável saber que a ignorância de uma sociedade permite que ela conheça, e em poucos casos - "reconheça", a história e valor de um patrimônio construído em benefício de todos APENAS no dia de sua destruição. É triste ter que reportar que palestras, reportagens, passeios ecológicos, artigos científicos, notas e opniões pessoais tiveram uma representatividade imensamente menor que a fumaça e fuligem na divulgação do MAIOR patrimônio genético FLORESTAL ex situ do Brasil. De qualquer maneira, abaixo um pequeno texto sobre a construção e importância desse Banco Genético tenta informar, esclarecer e mobilizar a sociedade para que o esforço de anos de pesquisa não seja perdido... para que o trabalho de muitos biólogos, professores, estudantes e funcionários seja reconhecido não pelo "incômodo"!
O Banco Genético da USP de Ribeirão Preto, que faz parte do que é conhecido por Floresta da USP RP, é o único Banco Genético de mata mesófila semidecidual do Brasil. Ele foi implantado pelo Projeto Floresta da USP RP e possui 45 espécies, com uma diversidade de 3375 progênies coletadas em mais de 400 áreas de fragmentos naturais da Bacia do Pardo-Mogi. O objetivo do Banco é o de conservação genética das espécies nativas assim como fornecer sementes de origem conhecida e qualidade garantida, a fim de recuperar áreas degradadas. Hoje (16/08/2011) um incêndio iniciado por causas desconhecidas devastou grande parte da Floresta da USP, incluindo todos os 45 hectares do Banco Genético. Podemos comparar, embora os números sejam menores, com a perda da coleção do Butantã, ocorrida também por um incêndio, no ano passado. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ficou boa parte do dia coberta por fumaça. Alunos, funcionários e professores lamentam essa grande perda e estão ávidos por uma investigação das causas desse desastre. A Profa. Elenice Mouro Varanda, que dedicou boa parte de sua carreira para a implantação da floresta da USP, pede encarecidamente que divulguem e também o apoio de todos nós.
DIVULGUEM AO MÁXIMO PARA TALVEZ AGILIZAR OS PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DO CASO



Fotos:  F.L.Piton
Baixe o Adobe Flash Player

terça-feira, 26 de julho de 2011

Por aí...


XXXIX Semana de Bio-Estudos

Semana de Bio-Estudos é um evento acadêmico, científico e cultural, organizado pelo CEB (Centro Estudantil da Biologia "Maria Madalena Costa Teles", da FFCLRP, USP), que tem como objetivo trazer aos estudantes cursos, palestras, mesas redondas e oficinas que complementem nossa formação.
Mais informações no site do CEB.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

As raízes da vida no planeta Terra: o maravilhoso mundo do RNA


Por Carlos Alexandre Henrique Fernandes

O ácido ribonucléico (RNA) é tratado classicamente como a molécula que comanda a síntese protéica, através dos RNAs mensageiros, (mRNAs), RNAs transportadores (tRNAs) e dos ribossomos (rRNAs). Entretanto, a partir do início do século, um grande número de estudos descobriu uma enorme diversidade de tipos de RNAs que não estava envolvida com a síntese proteíca: são moléculas de RNA relacionadas a complexos mecanismos de expressão gênica, seja nas formas de RNAs de interferência (microRNAs, small interference RNAs, entre outros) (Figura 1) ou na forma de riboswitches, estruturas enoveladas de RNA que interagem com metabólitos específicos para o controle da expressão gênica (Figura 1). Dessa maneira, o RNA deixou de ser um mero “coadjuvante” dos processos celulares e se tornou um dos principais atores dos intricados mecanismos de transcrição (formação do molde de mRNA a partir de DNA) e tradução (síntese de proteína a partir do mRNA). Esses grandes avanços em relação ao entendimento do funcionamento da molécula de RNA acabaram por dar mais subsídios para a discussão da origem da vida na Terra, tendo a molécula de RNA como o centro dessa discussão.


Figura 1: Diversidade de (a) estrutruturas secundárias de precursores de microRNAs. Esses precursores são transcritos a partir do DNA e uma pequena parte é clivada, dando origem ao microRNA maduro (em vermelho) que atuará na regulação da expressão gênica;  (b) riboswitches. Adaptado de Reinhart et al. (2002) e  Mandal et al. (2004).

A origem da vida é uma das grandes questões científicas que vem sendo abordada pelos mais ilustres pensadores há milênios. Atualmente, a hipótese do RNA world (mundo de RNA) é considerada pela maioria dos cientistas a mais bem conhecida, e talvez a única em que se tenha claramente ultrapassado o domínio da especulação. De acordo com esta teoria, antes das células modernas, o RNA era o material genético e, ao mesmo tempo, era ele que catalisava as reações químicas nas células primitivas. Apenas posteriormente é que o DNA se tornou o material genético e as proteínas os maiores componentes estruturais e catalisadores das células. Essa hipótese é reforçada por três evidências: i) o  pareamento complementar dos nucleotídeos, que promove a cópia exata da sequência, pois devido a essa complementaridade das bases, uma sequência serve de modelo para outra; ii) a decoberta das ribozimas, moléculas de RNA que possuem atividade catalítica e participam de importantes reações nas células modernas e iii) os viróides e virusóides, agentes infecciosos de plantas que consistem em um RNA pequeno (200 nucleotídeos), circular, fita simples, não codificante que, através da maquinaria de transcrição da célula hospedeira, é capaz de se auto-replicar. Por isso, as ribozimas, os viróides e os virusóides são considerados “fósseis moleculares” do RNA world.
            Entretanto, sob o ponto de vista químico e estrutural, é difícil imaginar como o RNA tenha se formado de uma maneira não-enzimática, já que as polimerases realizam uma hidrólise na formação dos ácidos nucléicos, atividade esta que requer uma molécula com atividade enzimática. Dessa forma, aponta-se que antes do RNA, as primeiras moléculas que possuíam atividade enzimática e capacidade de guardar informações eram polímeros, sem registros fósseis ou remanescentes nas células modernas, que se assemelham ao RNA, mas são quimicamente mais simples como, por exemplo, o PNA (Peptide nucleic acid) e o p-RNA (Pyranosyl-RNA) (Figura 2). A cadeia de ribose do RNA é substituída no PNA por uma cadeia peptídica, de maneira similar às proteínas. Essa cadeia peptídica, diferentemente da ribose é um polímero estável e se forma espontaneamente em altas quantidades em condições pré-bióticas. Entretanto, o PNA é mais rígido, e por isso pode trazer certas limitações à catálise, já que essa atividade provoca grandes modificações na estrutura da molécula que a realiza.  
Figura 2: Estrutura do PNA (a) e do RNA (b). Adaptado de Nelson et al(2002).


            A transição de um “pré-RNA world” para o RNA world pode ter se dado através da síntese de um RNA utilizando-se um desses polímeros tanto como fita-molde, como catalisador. Experimentos em laboratório mostraram que o PNA pode atuar como uma fita-molde para a síntese de RNA porque as geometrias das bases das duas moléculas são bastante semelhantes. A partir da primeira molécula de RNA, outras foram sendo geradas e se diversificaram gradualmente, até assumir carregar as funções que anteriormente eram dos polímeros pré-RNA e formar o RNA world.
            O processo de síntese de proteínas nas células modernas é um sistema bastante intrincado e complexo e por isso, torna-se difícil imaginar como ele se desenvolveu no RNA world. Por enquanto, apenas especulações sobre a origem da síntese proteica e do código genético podem ser feitas, mas alguns experimentos vêm sendo realizados e alguns cenários já podem ser desenhados. Experimentos de seleção de RNA in vitro produziram moléculas de RNA que conseguem se ligar fortemente a aminoácidos. A seqüência de nucleotídeos destes RNAs contém uma freqüência extremamente alta de códons do aminoácido que ele reconhece. Por exemplo, moléculas de RNA que se ligam seletivamente a arginina possuem uma alta freqüência de códons que codificam arginina. Essa correlação não é perfeita para todos os aminoácidos e sua interpretação pode ser duvidosa, mas pode indicar que um código genético limitado pode ter surgido de uma associação direta entre aminoácidos e seqüências específicas de RNA, com o próprio RNA servindo de molde para a polimerização de alguns aminoácidos. A eficiência desta síntese protéica primitiva deve ter aumentando consideravelmente após o surgimento ligação peptídica. Os ribossomos, por sua vez, podem ter surgido a partir de uma ribozima com capacidade de acrescentar aminoácidos e fazer ligações peptídicas, que com o passar do tempo, ficou maior e adquiriu a habilidade de posicionar corretamente os tRNAs nos moldes de RNA. Uma vez desenvolvida a síntese protéica, as proteínas, graças a sua maior versatilidade, puderam “conquistar” a maior parte das tarefas catalíticas e estruturais.
            Quanto ao DNA, a sua origem e a de seus mecanismos de replicação permanecem obscuras, mas elas devem ser posteriores ao surgimento das proteínas, já que um grande número de proteínas necessárias para a sua síntese e a formação da desoxirribose é um processo bastante complexo. A desoxirribose, comparada com a ribose, forma cadeias mais estáveis, possibilitando que o DNA possa se alongar sem perigos de rompimento, e   garantindo, assim, a função de depósito seguro para a informação genética. Dessa maneira, foi possível o alongamento do tamanho dos genomas e o surgimento de uma grande diversidade de formas de vida.


Sobre o Autor... Leia aqui!

Bibliografia
Alberts, A.; Johnson, A.; Lewis, J.; Raff, M.; Roberts, K.; Walter, P. Molecular Biology of the Cell. New York: Garland Sciences, 2002. 1463p.
Bartel, D.P.; Unrau, P.J. Constructing an RNA world. Trends in Cell Biology, v.9, M9-M13, 1999.
Daros, J.A.; Elena, S.F.; Flores, R. Viroids: an Ariadne's thread into the RNA labyrinth. EMBO Reports, v.7, p.593-598, 2006.
Knight, R.D.; Landweber, L.F. The early evolution of the genetic code. Cell, v.101, p.569-572, 2000.
Mandal, M.; Breaker, R.R. Gene regulation by riboswitches. Nature Reviews Molecular Cell Biology, v.5, p.451-463, 2004.
Nelson, K.E.; Levy, M.; Miller, S.L. Peptide nucleic acids rather than RNA may have been the first genetic molecule. Proceedings of National Academy of Science, v. 97, p. 3868-3871, 2000.
Reinhhar, B.J.; Weinstein, E.G.; Rhoades, M.W.; Bartel, B.; Bartell, D.P. MicroRNAs in plants. Genes & Development, v. 16, p. 1616-1626, 2002.
Winkler, W.C.; Breaker, R.R. Regulation of bacterial gene expression by riboswitches. Annual Review of Microbiology, v.59, p. 487-517, 2005.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O valor das coletas e coleções científicas


Por Lívia Pinheiro e Rafaela Falaschi

Na edição desse mês da revista de divulgação científica Ciência Hoje (ed. 282) publicamos um texto na seção Opinião discutindo o valor das coletas e coleções científicas por meio de dois fatos ocorridos no ano passado (2010) revelando o descaso com o trabalho de biólogos e taxonomistas: o incêndio da coleção zoológica no Instituto Butantan (SP) e a controvérsia envolvendo um ornitólogo no Paraná – tratado como criminoso ambiental. Esses exemplos são o mote para a discussão apresentada no texto sobre a importância da pesquisa científica hoje no país.

Pessoas interessadas no texto podem escrever para as autoras.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Uma nova espécie de predador triássico do Rio Grande do Sul


Por Marco Aurélio de Gallo França

O Achado:
No início do ano de 2001, paleontólogos do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN/FZB-RS) - Dr. Jorge Ferigolo, Dra. Ana Maria Ribeiro e Dr. Ricardo Negri - com o apoio financeiro do projeto Pró-Guaíba/BID, saíram em uma viagem de campo atrás de sítios paleontológicos gaúchos que afloram rochas triássicas (período entre 245 e 205 milhões de anos atrás). Dentro da rota planejada para a viagem estava o afloramento informalmente denominado de “posto”, pois o mesmo se encontra na entrada da cidade de Dona Francisca, região central do Rio Grande do Sul, logo atrás de um posto de gasolina que beira a estrada.
FIGURA 1- Mapa do Brasil destacando o Estado do Rio Grande de Sul e a Região da Quarta colônia (em azul), com uma foto aérea da entrada da cidade de Dona Francisca aonde o fóssil foi encontrado (Localidade Posto de Gasolina).

Após algum tempo de caminhada pelo afloramento, de levanta e agacha pra ver se o que tem ali no chão é rocha, lixo ou fóssil, o Jorge encontra alguma coisa que parecia interessante: “Ana, achei uma coisa aqui que parece um crânio!!!”. Por ele ser um tanto brincalhão, ela duvidou logo de cara. Mas após ir até o local, ambos confirmaram se tratar de um crânio, e não pequeno (cerca de 30 cm de comprimento). Aí começava o que todo paleontólogo faz quando encontra alguma coisa: escavar em volta pra ver se tem mais fóssil preservado. E... não é que tinha!!! E não era pouca coisa não! Mesmo no campo, coberto por sedimento, com a terra meio úmida, logo os paleontólogos conseguiram identificar que o crânio estava conectado à um pescoço... e este à uma cintura pélvica (bacia)... e esta numa cauda... e este indivíduo quase completo estava com mais outros crânios e esqueletos!
FIGURA 2 – Foto do fossil encontrado ainda na localidade (acima, à esquerda) e uma reconstituição das partes preservadas dos esqueletos (abaixo, à esquerda). Esquema representativo da disposição dos esqueletos no campo (à direita; os números corresponde a quantidade de indivíduos preservados amontoados).

Se achar um pedacinho quebrado pra nós paleontólogos já é algo interessante, imagine o quão sensacional é achar um crânio e perceber que existe mais coisa ainda ali junto! Passado a euforia, vem a parte chata e braçal: tirar o fóssil do afloramento para levá-lo ao laboratório aonde será preparado e estudado. Querendo preservar o material como estava no campo para extrair mais dados de como os animais teriam morrido, eles fizeram um bloco gigantesco, cerca de 6 metros quadrados e pesando em torno de meia tonelada. Infelizmente, o bloco não agüentou... muito também por causa da chuva que acompanhava os paleontólogos durante a extração do bloco. Sendo assim, o material foi levado em partes para o Laboratório de Paleontologia da FZB. Lá, o Negri começou a montar as partes do bloco e preparar o material durante seis meses. Após isto, o material ficou por algum tempo sem ninguém estudá-lo ou prepará-lo.

A Pesquisa:
Em 2007, outras pessoas entram na história. Numa ligação para o Jorge, Max diz ter um aluno que tinha acabado o mestrado, Marco (no caso, eu), e ele precisava de algum material fóssil para fazer seu doutorado. Acordos feitos, Marco começa seus estudos com este material. Já possuía alguma experiência em preparação e julgou que seria fácil preparar este material. Ledo engano... Na primeira visita à capital gaúcha, já viu que o trabalho de preparação ia ser difícil: o material era envolto por uma concreção férrica muito dura. Como o material fóssil preservado é frágil, esta concreção em volta torna a preparação muito difícil e demorada. Imagine que você tenha que tirar o grafite de dentro de um lápis, mas ao invés de uma madeira mole e fácil de ser removida, este lápis esteja envolto por um material muito mais duro, como um tubo de PVC. Estilete, agulha, ponteira... nada disso sequer riscava a concreção. Começou-se a usar, então, canetas pneumáticas [http://www.paleotools.com/products.html]. O que é isto? São instrumentos muito parecidos com aquele motorzinho de dentista que se usa pra furar o dente e extrais a cárie, mas ao invés de movimentos rotatórios, as canetas que se usam na paleontologia realizam movimentos “pra frente e pra trás”. Mesmo assim, o material era difícil de ser preparado. Havia dias que após 8 horas de preparação, uma área “imensa” menor que uma moeda de um centavo era preparado!!! E não era só isso. Estas canetas pneumáticas possuem tamanhos e intensidades diferentes. Começou com uma de nível 1... ponteira quebrada. Nível 2... ponteira quebrada. Nível 3... ponta gasta em menos de um dia de trabalho. Nível 4, usado em materiais grandes, como fêmur de titanossauro... começou a funcionar. Só que as ponteiras duravam cerca de 15 dias e tinha o risco de quebrar todo o material por conta do alto impacto, isso sem dizer que cada ponteira desta custa cerca de 60 dólares!
            Durante três anos e meio, os fósseis iam sendo preparados e estudados concomitantemente. Até que no final do ano passado, com dados suficientes já em mão, os paleontólogos decidem publicar um artigo com os resultados deste trabalho (França et al., 2011). O material achado se tratava de 9 indivíduos amontoados uns sobres os outros, com três crânio bem preservados, e, à priori, todos pertencentes à uma nova espécie: Decuriasuchus quartacolonia.
FIGURA 3 – Crânios preservados de Decuriasuchus quartacolonia. Dois crânios foram preservados sobrepostos (acima) e o outro um pouco mais isolado (abaixo).

Os animais desta espécie eram carnívoros (possuíam dentes pontiagudos com margens serrilhadas), quadrúpedes e mediam cerca de 2,5 metros de comprimento.
FIGURA 4 – Reconstituição de Decuriasuchus quartacolonia.

Faziam parte um grupo chamado Rauisuchia. O que é isto? Hein?? Senta que lá vem a sistemática... Entre todos os animais vivos atualmente, aves e crocodilos são os mais aparentados entre si, formando um grupo denominado de Archosauria. Estes dois grupos atuais são somente um resquício da Biodiversidade do passado (clichê paleontológico! Hehehe). Os arcossauros se diversificaram durante o período triássico em duas grandes linhagens (Brusatte et al., 2010): uma pró-aviana, denominada de Ornithosuchia e da qual faz parte também os dinossauros (sim, ave é um dinossauro!!!); e outra pró-crocodiliana, denominada de Pseudosuchia e da qual faz parte vários grupos fósseis que se extinguiram no final do período triássico, sendo os crocodilomorfos os únicos sobreviventes. Destes grupos que se extinguiram estão os fitossauros (arcossauros aquáticos, com focinhos alongados), aetossauros (arcossauros encouraçados, possuindo placas ósseas de formatos diversos em suas costas), os ornitossuquídeos (arcossauros com crânios esquisitos, com a mandíbula reduzida em comprimento e a ponta do focinho voltada pra baixo) e os rauissúquios, ou Rauisuchia, do qual esta nova espécie faz parte.
FIGURA 5 – Cladograma representando o parentesco entre os grupos de Archosauria.

Este grupo era considerado até a década de 90 composto por grandes predadores topo de cadeia, quadrúpedes e que tinham morfologia distinta da bacia que permitia uma locomoção mais rápida. Entre os maiores da sua época nos ecossistemas terrestres, podiam medir até 9 metros de comprimento. Existe um crânio na UFRGS de aproximadamente um metro de comprimento, pertencente à espécie Prestosuchus chiniquensis (Barberena, 1978). Durante a década de 90, pesquisadores encontraram animais deste grupo que são bípedes, desprovidos de dentes e provavelmente portando bicos córneos, como nas tartarugas, como Effigia okeeffeae (Nesbitt & Norell, 2006) e Shuvosaurus inexpectatus (Chatterjee, 1993). Mais recentemente, há indícios fortes de que uma das espécies, Qianosuchus mixtus (Li et al., 2006), possuía hábito aquático. Ou seja, Rauisuchia representa um grupo muito mais diverso do que se aparentava até então.
FIGURA 6 – Exemplos de espécies de Rauisuchia, apresentando a diversidade de tamanho e hábitos.

Entre estas novidades está Decuriasuchus. Foram encontrados 10 indivíduos naquele afloramento no município de Dona Francisca, sendo que 9 deles estavam praticamente uns sobre os outros. Como seus esqueletos estão praticamente articulados, pode-se afirmar que eles estavam próximos uns dos outros antes de suas mortes, demonstrando um comportamento social mais desenvolvido do que se pensava: grandes répteis predadores tendem a viverem de forma mais isolada e não em “comunidade”. Este aglomeração de indivíduos pode ter causa e consequências diversas. Estudos apontam que aquela região no triássico era uma planície de inundação, com períodos de secas drásticas e outros de chuvas intensas (Da Rosa, 2005), o que pode ter servido de “refúgio” para estes animais.
FIGURA 7 – Imagem de uma planície de inundação atual com paisagem similar à considerada para a localidade aonde Decuriasuchus foi coletado.

É comum espécies de animais predadores de porte menor, caso do dinossauro Velociraptor, viverem em bando para defesa de predadores maiores ou ainda para caçar em bandos, o que poderia ter acontecido com Decuriasuchus. A verdade é que a resposta dos porquês destes indivíduos estarem juntos é pura especulação, mas é fato que eles viviam próximos uns dos outros. Paralelamente, outros aglomerados da mesma espécie em arcossauros, embora raros, são mais comum em dinossauros jurássico, sendo um comportamento social desenvolvido descrito em vários grupos de dinossauros. No período triássico, afloramentos possuindo vários indivíduos da mesma espécie são mais escassos, sendo descritos em dinossauro terópode Coelophysis bauri do novo México, EUA (Schwartz & Gillette, 1994), em dinossauro sauropodomorfo basal Plateosaurus da europa central (Sander, 1992), e no pseudossúquio Aetosaurus ferratus da Alemanha (Schoch, 2007). Todos estes são datados do Triássico Superior (Noriano-Rhaetiano, aproximadamente entre 220 e 205 milhões de anos atrás). As rochas do afloramento “posto”, aonde foram encontrados Decuriasuchus, são de aproximadamente 235-240 milhões de anos atrás, podendo-se dizer que esta nova espécie é o registro mais antigo de comportamento gregário em arcossauros.
FIGURA 8 – Exemplos de preservação com vários indivíduos em Archosauria. Acima, Aetosaurus ferratus, um Aetosauria (Pseudosuchia) do Triássico Superior da Alemanha; abaixo, Coleophysis bauri, um Dinosauria (Ornithosuchia) do Triássico superior dos Estados Unidos.

            Sobre o nome desta nova espécie, há algumas curiosidades. Decuria/suchus: o termo “decuria” faz referência à unidade do exército romano constituída por 10 soldados, como no caso dos 10 indivíduos achados no afloramento e também em referência à uma estrutura protuberante que existe no osso Nasal compartilhado por algumas espécies do grupo Rauisuchia que foi descrito por Romer (1971) como sendo o focinho tipo nariz romano; já “suchus” é um termo grego que se refere ao deus egípcio com cabeça de crocodilo, fazendo referência ao posicionamento da espécie na linhagem pró-crocodiliana. O nome específico “quartacolonia” refere-se à região no interior do estado do Rio Grande denominada de Quarta Colônia por ser a quarta região à abrigar os imigrantes italianos no século passado e da qual faz parte o município de Dona Francisca, aonde foram coletados os fósseis.

  
Citações Bibliográficas:

Barberena, M. C. 1978. A huge thecodont skull from the Triassic of Brazil. Pesquisas, 7, 111–129.
Brusatte S, Benton MJ, Desojo J, Langer MC (2010) The higher-level phylogeny of Archosauria (Tetrapoda: Diapsida). J Syst Paleontol 8:3–47.
Chatterjee, S. 1993. Shuvosaurus, a new theropod. National Geographic Research and Exploration, 9, 274–285.
Da Rosa AAS (2005) Paleoalterações de depósitos sedimentares de planícies aluviais do Triássico Médio a superior do sul do Brasil: caracterização, análise estratigráfica e preservação fossilífera. Tese de Doutorado. UNISINOS, São Leopoldo.
França MAG de, Ferigolo J, Langer MC (2011). Associated skeletons of a new middle Triassic "Rauisuchia" from Brazil. Naturwissenschaften 98 (5): 389–395. doi:10.1007/s00114-011-0782-3.
Li C, Wu X-C, Cheng Y-N, Sato T, Wang L (2006) An unusual archosaurian from the marine Triassic of China. Naturwissenschaften 93:200–206.
Nesbitt SJ, Norell MA (2006) Extreme convergence in the body plans of an early suchian (Archosauria) and ornithomimid dinosaurs (Theropoda). Proc R Soc B Biol Sci 273(1590):1045–1048.
Romer AS (1971) The Chañares (Argentina) Triassic reptile fauna. VIII. A fragmentary skull of a large thecodont, Luperosuchus fractus. Breviora 373:1–8.
Sander PM (1992) The Norian Plateosaurus bonebeds of central Europe and their taphonomy. Palaeogeogr Palaeoclimatol Palaeoecol 93:255–299.
Schoch RR (2007) Osteology of the small archosaur Aetosaurus from the Upper Triassic of Germany. Neues Jahrbuch für Geologie und Paläontologie. Abhandlungen 246(1):1–35.
Schwartz HL, Gillette DD (1994) Geology and taphonomy of the Coelophysis quarry, Upper Triassic Chinle Formation, Ghost Ranch, New Mexico. Journal of Palaentology 68:1118–1130.

Sobre o autor:



Marco Aurélio de Gallo França é paleontólogo brasileiro, focado atualmente em pesquisas com arcossauros basais, mas já trabalhou com outros grupos fósseis, como tartarugas e dinossauros. Está no doutorado na Bologia Comparada (FFCLRP-USP/Ribeirão Preto), com a orientação de Max Cardoso Langer. Gosta de cerveja, principalmente acompanhada de bons amigos. Para aliviar a tensão, nas horas vagas dedica-se ao samba e a MPB, mas como hobby. Lattes.




quinta-feira, 7 de abril de 2011

Por aí...


Mais uma vez os alunos do Programa de Pós-graduação em Biologia Comparada da FFCLRP-USP se organizaram e, no período de 26 a 29 de julho de 2011, será realizado o 5º Encontro da Biologia Comparada com o tema “A diversidade de formas no tempo e no espaço”. O principal objetivo do encontro é mobilizar estudantes, professores e profissionais da Biologia em discussões sobre mudanças observadas nas diferentes formas de vida nas dimensões temporal (passado, presente e futuro) e espacial (distribuição geográfica), além de manter os objetivos dos encontros anteriores, que são promover a integração entre os alunos do Programa de Pós-graduação e a comunidade acadêmica e divulgar as linhas de pesquisa desenvolvidas dentro do programa.


5° Encontro da Biologia Comparada
Tema: "A diversidade de formas no tempo e no espaço"
Quando: 26 a 29 de julho de 2011
Onde: FFCLRP - USP de Ribeirão Preto
Custo: R$ 25,00
Envio de Resumos: até 17 de junho de 2011
Mais informações: info.ebc.rp@gmail.com
ou pelo site: http://sites.ffclrp.usp.br/ebc/

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ciência Histórica e Ciência Experimental: Sobre Sistemática e Evolução


Por Leandro Assis

Ciência é um processo de investigação e descoberta, fundamentado num arcabouço grandioso de conceitos, métodos, teorias e observações. Podemos dividir a ciência em experimental e histórica. Na ciência experimental, as condições de um certo experimento são geralmente controladas. Os resultados obtidos são a base para formular predições, que, quando sujeitas a testes sucessivos, podem ser refutadas ou não. Dessa forma, o cientista experimental tem maior controle de sua análise, desde o presente até o futuro. No caso da ciência histórica, o cientista não consegue controlar facilmente as condições de análise, uma vez que investiga eventos passados, não mais observáveis, pois esses aconteceram há centenas, milhares, milhões ou bilhões de anos. Como exemplos, destacam-se a extinção dos dinossauros (exceto aves), a origem das angiospermas e o Big-Bang. Para descobrir tais eventos, o cientista investiga um conjunto de evidências (dados) ou traços históricos potencialmente relacionados aos próprios eventos. Ou seja, o cientista histórico não faz predições, ele realiza uma inferência, quando um conjunto de evidências ou traços históricos é usado para confirmar um evento já ocorrido.
A integração entre sistemática e evolução insere um componente histórico na pesquisa da biodiversidade. Nesse contexto, o papel do sistemata ou do biólogo evolutivo é descobrir como as relações de parentesco (genealógicas ou filogenéticas) da biodiversidade aconteceram ao longo de sua evolução. Ou seja, o sistemata procura descobrir e explicar o padrão evolutivo da árvore da vida. Ele investiga, por exemplo, quem, entre o abacate, a laranja e a maçã, são mais próximos genealogicamente ou filogeneticamente. Com base na comparação de características morfológicas e genéticas  e na utilização de certos métodos e modelos matemáticos, os sistematas têm confirmado que a maçã e a laranja possuem um ancestral comum mais recente em relação ao abacate. Mas a laranja, a maçã e o abacate possuem um ancestral comum mais recente em relação à samambaia.
Existem diversos problemas dentro da ciência biológica histórica com relação à descoberta do padrão evolutivo da árvore da vida. As espécies que vivem hoje são apenas uma pequena parte de toda biodiversidade que existiu na Terra ao longo de sua história. Dessa maneira, o trabalho do sistemata é bastante desafiador e se compararia a montar um quebra-cabeça no qual várias peças (informações) estão faltando. A árvore da vida tem um padrão único. Esse é um fato histórico. Todavia, diferentes tipos de evidências (dados) ou traços históricos podem resultar em diferentes hipóteses. Como consequência, os sistematas podem formular diversas teorias sobre um mesmo mundo ou realidade evolutiva, o que explica as conflitantes classificações de um mesmo grupo de organismos.
Para entendermos a diferença entre ciência histórica e ciência experimental, então, é necessário entendermos a assimetria temporal dos eventos naturais. A ciência histórica usa as evidências que existem no presente para inferir eventos passados, enquanto a ciência experimental prevê eventos futuros. No entanto, tais relações podem se sobrepor. Certos pesquisadores acreditam que a análise experimental é científica, porque as observações podem ser criteriosamente controladas e testadas. Já no caso da análise histórica, onde as variáveis ambientais não podem ser facilmente controladas e os eventos não são observáveis, os críticos dizem que tal análise é frágil e imprecisa, portanto, não científica. No entanto, uma vez que entendemos a assimetria temporal dos eventos naturais e os tipos de evidência contemplados, tal consideração torna-se filosoficamente insustentável. As duas formas de análise, portanto, são genuinamente científicas.

Agradecimentos
Agradeço aos organizadores do blog ‘Ciência é...’, Lívia Pinheiro, Pedro Da Pos, Rafaela Falaschi, e também à Vanessa Roma pelos comentários e correções valiosos.


Sobre o autor
Leandro Cézanne de Souza Assis É sistemata filogenético, que busca a compreender e organizar a biodiversidade em constante transformação, desde os tempos mais remotos até os dias de hoje. Estuda em particular as lauráceas, plantas com flores (angiospermas), que agrupam o abacateiro, a cânfora, as canelas e o louro. Nas horas vagas, caça borboletas do gênero Vanessa, anda de ‘esqueite’ e vai ao cinema. Lattes.

Figuras e respectivos sites:

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

História da vida: o papel das coletas e coleções biológicas para a humanidade

Por Rafaela L. Falaschi e Lívia R. Pinheiro



             Esse ano que passou foi marcado, para a biologia brasileira, pelo trágico incêndio no Instituto Butantan, além da polêmica envolvendo o biólogo Louri Klehmann Júnior, que foi tratado como criminoso ambiental por ter cometido um erro. Muito desse absurdo se deve ao desconhecimento, ou conhecimento vago, que a sociedade tem de questões básicas relacionadas às ciências, aqui especificamente, às ciências biológicas.

Armadilha Malaise para coleta de dípteros

Ciência não é só para cientistas. Assim como política, economia, música e arte, ciência também é – ou deveria ser – assunto de domínio público. Deveria estar nas rodas de conversa, ser mais uma fonte de conhecimento a ser aproveitada, mas estamos tão acostumados com a mitificação do cientista como um gênio de jaleco e da ciência como curiosidade (ou quase um divertimento), que é pequena a participação da população em geral. Os próprios cientistas também são culpados por esta situação, embora o nível de especialização a que chegamos possa de fato ser reconhecido como um obstáculo a ser superado para a divulgação científica.
Quando a ciência é tida como inatingível, as opiniões dos cidadãos ao seu respeito ficam presas à opinião do cientista que fala mais alto, ou seja, a um argumento de autoridade. Os casos em que opiniões divergentes têm igual destaque são relativamente raros, especialmente se existe um interesse da mídia em privilegiar uma delas. A única forma de nos livrarmos de opiniões de terceiros e formar nossa própria é compreendendo minimamente os elementos envolvidos nas polêmicas, e isto só se faz com divulgação científica apropriada. É com o intuito de fornecer tais subsídios que debateremos a seguir as relações entre o incêndio da coleção do Butantan, a polêmica envolvendo Louri Klehmann Júnior e a ignorância científica.

Comecemos com Louri, tratado pela mídia, pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAPar) e pelo presidente do Conselho Regional de Biologia do Paraná como um criminoso ambiental por ter atirado, com licença dos órgãos competentes estadual e federal para fazê-lo, em duas aves muitíssimo semelhantes às que tinha autorização para matar.
Todo biólogo que precisa obter espécimes para seu estudo passa por uma verdadeira via crucis até conseguir sua autorização de coleta. A burocracia e o tempo de espera até a obtenção da licença é muito variável, dependendo do grupo de interesse (quem estuda mosquitos obtém a sua com maior facilidade que quem estuda mamíferos, por exemplo) e de onde se pretende coletar (a autorização para coleta em unidades de conservação é mais complicada que para áreas não protegidas).

Apesar de fazer todo o sentido limitar o número de espécimes coletados, ainda mais se o grupo se reproduz pouco, como é o caso de muitos mamíferos e das aves, ou se o local que se deseja estudar é área de proteção ambiental, a burocracia que envolve pedidos de autorização de coleta nem sempre é condizente com as diferentes realidades enfrentadas por diferentes biólogos.

Considerando todas as espécies de seres vivos, são raras as coletas que capturam mais que uma ninhada de uma fêmea de uma população[1] por vez. É razoável esperar que, de todos, sejam biólogos os mais indicados a garantir que uma coleta não ameace a viabilidade da população da(s) espécie(s) de seu interesse. Que interesse teria o biólogo de exterminar o grupo ao qual dedica seu tempo de estudo? Ou mesmo de matar sem necessidade?
Louri tinha autorização para coletar exemplares de duas espécies de íbis de plumagem escura, e foi em dois deles que mirou. Para seu azar não eram íbis, mas guarás jovens, cuja pujante plumagem vermelha só aparece depois de adultos. Também para seu azar, o guará é tido como espécie vulnerável no Paraná. Uma vez descoberto o erro de Louri e noticiado de forma a fazê-lo parecer um pesquisador negligente que caça aves por capricho, a opinião pública o considerou culpado de ambas as acusações. Não havia motivo para não fazê-lo, se era o que os jornais incitavam e se o IAPar e o presidente do CRBio da região também o haviam condenado.

Mas não existe algo estranho por trás disso tudo? O que ganharia Louri atirando em uma espécie vulnerável que não é a que lhe interessa, sendo que os espécimes ficariam, de qualquer forma, guardados no museu onde ele realiza seu estudo?
Quase todo biólogo de campo já se deparou com a aversão generalizada à idéia de coletar. Esta antipatia pode se tornar um verdadeiro horror, de acordo com o grupo que se pretende coletar. Ao mesmo tempo em que é difícil ouvir protestos contra a coleta de microorganismos, plantas, lesmas, carrapatos ou grupos que nem nome popular tem (ex.: Priapula, Diplura, Tardigrada[2]), o horror pode se transformar em ameaças se estivermos falando de aves ou mamíferos. “Coitadinho do bichinho, deixa ele lá!” é uma exclamação muito comum, às vezes substituída por sua forma mais autoritária, dita às vezes em tom agressivo “Você não vai matar esse bicho!”. Elas revelam a profundidade da ignorância que cerca a idéia que as pessoas têm das coletas científicas.

Parece razoável supor que a aversão das pessoas à coleta derive da emergência do conceito de responsabilidade ambiental. Seria contraditório pregar o respeito ao meio ambiente e trabalhar com uma profissão associada a isto, e ao mesmo tempo ir ao campo especificamente para coletar – ou matar, ou mesmo assassinar, como preferem alguns – animais indefesos. “Por que ainda não desenvolveram uma maneira de estudar a biodiversidade sem precisar matar mais os animais?”, perguntam os mais indignados. “É mesmo necessário coletar?”, questionam os mais ponderados.
E a resposta é sim, é necessário coletar. Vai ser enquanto houver perguntas que possamos fazer sobre a biodiversidade e, é claro, enquanto houver biodiversidade. Muitas perguntas importantes para a biologia simplesmente não podem ser respondidas somente por meio do estudo de fotografias, vídeos, pegadas, sons, ou com animais vivos em cativeiro por tempo indeterminado. Questões taxonômicas, sistemáticas, evolutivas e biogeográficas, por exemplo, muitas vezes exigem que se trabalhe com espécimes mortos,  por vezes com um grande número de exemplares. Isto também não é contornável, porque são perguntas sobre populações, e só podem ser respondidas com uma ampla amostragem populacional.

Coletar não é, portanto, opcional para muitas áreas da biologia. E nem é a coleta uma ciência exata: os métodos variam de acordo com o que se pretende capturar, e nem sempre vem somente o que se deseja. Seja a coleta passiva (com armadilhas) ou ativa, corre-se o risco de coletar por engano ou acidente algo não planejado. É algo que acontece a todo momento, e muitas vezes independe da experiência do coletor, mas ocorre devido ao desenho da armadilha ou de condições desfavoráveis de caça, como foi o caso de Louri: se já é difícil distinguir jovens guarás de íbis de plumagem escura no laboratório, imagine no mato, em dia nublado e nevoento, à distância necessária para não espantar os pássaros.

Gavetas entomológicas - INPA
Se as coletas não são prescindíveis como muitos gostariam que fossem, restam duas alternativas – continuar protestando contra a realização do nosso trabalho ou compreender sua importância. Para aqueles tentados a dar uma chance à segunda, passemos ao incêndio na coleção do Butantan e ao seu significado.
Ao contrário da polêmica sobre os guarás de Louri, o incêndio trouxe muitas e diversas reações. Mas a grande (e triste) indagação era “se ninguém se feriu por que tanta tristeza por causa de bicho morto? É só pegar mais!”. O laboratório de morfologia e evolução Diptera da USP de Ribeirão Preto recebeu ofertas de aranhas e escorpiões para ajudar a recuperar a coleção do Butantan. Por mais positivo que seja saber que algumas pessoas querem ajudar em algo que consideram tão distante de seu cotidiano, estas ofertas alertam para o total desconhecimento dessas pessoas sobre o que é uma coleção biológica e o que ela representa.
            Coletas e coleções são intrinsecamente ligadas, sendo as últimas o destino final de todo o material reunido em coletas científicas. As coleções são constituídas por conjuntos de organismos (animais, plantas, fungos) coletados e preparados de modo que permaneçam em condições de estudo por centenas de anos.
Diferentes grupos de seres vivos apresentam diferentes necessidades quanto à sua conservação, sendo os meios mais comuns as exsicatas[3], a via úmida[4], inclusão em resina, montagem em lâminas, em alfinetes e a taxidermia. A despeito do modo de conservação, todos os espécimes devem trazer consigo informações sobre a localidade, altitude em relação ao nível do mar, o período do ano em que foram coletados, coletores e outras informações que o coletor julgar relevantes.
Assim, as coleções compreendem um acervo de espécimes que funciona como uma amostra da diversidade existente, a partir da qual podem ser feitas inferências sobre a diversidade biológica. A composição de cada coleção depende das localidades de coleta que os pesquisadores que nela trabalham (e trabalharam) costumam freqüentar, a freqüência com que vão a campo e das condições de acondicionamento dos espécimes. É comum que grandes instituições comprem coleções de instituições menores, de pesquisadores autônomos, ou mesmo de amadores. Cada coleção tem, assim, sua história, composta pelas histórias de cada coleção incorporada a ela e de cada um que trabalhou para formá-la. Não é muito incomum encontrarmos, por exemplo, espécimes que foram coletados em áreas que já não existem mais, seja devido à urbanização ou à destruição do habitat para dar lugar a plantações ou pastagens.
Existe ainda uma outra razão para qualificarmos como absurdo o que aconteceu à coleção do Butantan – a presença de tipos e o risco a que ficaram expostos com o incêndio. Tipo é o espécime que carrega o nome de uma dada espécie. Quando quem descreve uma espécie designa um único indivíduo para carregar o nome daquela espécie, ele é o holótipo. Mas há casos em que mais de um espécime carrega o nome da espécie, e nestes temos não um holótipo, mas dois ou mais parátipos. Mas o que significa exatamente carregar o nome? Imagine uma pesquisadora que, depois de muito trabalho, descobriu que uma espécie de cobra que coletou na caatinga é de fato desconhecida para a ciência. Ela possui somente um indivíduo, mas como se trata inequivocamente de uma espécie nova, ela a descreve com base neste espécime único mesmo. Agora, o espécime – neste caso o holótipo – precisa ser guardado em alguma coleção científica, para que esteja disponível para outros pesquisadores. A pesquisadora resolve depositá-lo no Butantan. Assim, se algum dia alguém coletar uma cobra que se suspeite pertencer à mesma espécie daquela, deve consultar a descrição da espécie e, se possível, o tipo, porque é ele que carrega o nome daquela espécie. Supondo que o tipo tivesse sido destruído pelo incêndio, não haveria com o que comparar o novo espécime, exceto pelas informações disponíveis na descrição da espécie, o que em muitos casos não é suficiente para uma identificação inequívoca da espécie.

Triagem de pequenos insetos

É por isso que, por mais que seja possível recompor de certa forma o acervo da coleção do Instituto Butantan, isto não vai ser suficiente. Com o incêndio perdemos parte de uma coleção que teve a característica ímpar de ter sido formada com a ajuda de anônimos que traziam serpentes e outros animais de todos os cantos do país.
É isto o que o ex-diretor do Butantan falhou em reconhecer em comparar a coleção do instituto a “uma bobagem medieval”, e o presidente do CRBio 7 não ficou muito longe ao tratar coletas científicas como “desnecessárias”. Que tenhamos tido algum sucesso em mostrar aos leitores que isto não é verdade!


[1] População é um grupo de indivíduos de uma espécie que vive em uma dada região geográfica.
[2] Acho que teríamos que colocar fotinhos deles
[3] Usadas nas coleções botânicas.
[4] Geralmente álcool a 70%, mas as concentrações podem variar; são também utilizados formaldeído e formalina para alguns grupos.

Fotos: Arquivo pessoal.