sexta-feira, 19 de março de 2010

Taxonomia e as ciências básicas


Por Lívia Rodrigues Pinheiro

http://migre.me/pKW1
  
Imagine que os taxonomistas entrassem em greve.

À primeira vista pode parecer tolo, talvez risível. O que pretenderiam os taxônomos com uma greve? O que esperariam obter com atitude tão insólita? Afinal, eles não fazem nenhuma diferença prática no cotidiano, e sequer existem em número suficiente para uma marcha de protesto. Não haveria caos urbano devido à sua paralisação. Os ônibus circulariam normalmente, as pessoas iriam de casa para o trabalho e de volta para casa, exatamente da mesma maneira. A mídia não noticiaria algo tão esdrúxulo, a não ser, talvez, em uma seção especialmente designada para notícias nonsense.

Então, por que convidar o leitor a imaginar tal despautério? As intenções são duas: mostrar a estupidez da dicotomia que se criou entre ciências de base versus ciências aplicadas, com todas as regalias concedidas a estas últimas, e dissertar um pouco mais sobre a natureza da taxonomia e as consequências dela para a biologia como um todo.

Ciências de base, também chamadas fundamentais, ou, ainda, ciências puras, são frequentemente menosprezadas perante as ciências aplicadas. Em uma análise rápida, não é algo difícil de se entender – um químico que trabalha diretamente no melhoramento da produção de elementos úteis à indústria apresenta um resultado rápido e direto do que foi investido em sua pesquisa. Outro que esteja interessado na estrutura molecular de um grupo específico de proteínas encontradas somente em águas-vivas terá muito mais dificuldade em demonstrar à sociedade por que ela deveria continuar subsidiando sua pesquisa. Da mesma forma, um biólogo que trabalha na área médica possui maior facilidade de financiamento e maior prestígio social do que alguém que tem a excêntrica idéia de tentar obter seu sustento investigando, por exemplo, relações de parentesco evolutivo entre grupos de mariposas.

Mas pense em um triângulo equilátero. Ciências de base não têm este nome à toa. Elas estão lá embaixo, sustentando todas as outras que compõem sua grande área (como física ou biologia). Seus resultados geralmente não têm nenhuma aplicação prática imediata, e não é de admirar que, em uma sociedade que preza, acima de tudo, pela praticidade e rapidez, elas não estejam em boa conta com quem as sustenta.
É aí que entra a greve dos taxonomistas. Ela poderia muito bem ser a greve dos cosmologistas, astrofísicos, químicos nucleares, geólogos planetários, para não falar da quase totalidade dos pesquisadores concentrados nas denominadas ciências humanas. Fosse a ciência constituída e dirigida somente para aplicações práticas, em pouco tempo ela morreria de inanição.

Não pretendo insinuar que as ciências aplicadas são destituídas de importância; mas sua importância não deveria ser entusiasticamente celebrada, em detrimento de todas as pesquisas de resultado não prático e imediato que foram fundamentais para que se conseguisse chegar à sua aplicação. Nenhuma pesquisa parte do zero. Mas somente as que apontam soluções diretas para problemas do agora têm alguma chance de ganhar um prêmio Nobel (que, aliás, não possui premiação em biologia, somente em “Medicina e fisiologia”, o que só ajuda a ilustrar a questão).

Mas, se o problema diz respeito a todas as ciências básicas, talvez o leitor se pergunte por que de novo a taxonomia. Não é difícil deduzir que é porque esta é a minha área, mas há duas outras razões.

A taxonomia é peculiar por ser, literal e inexoravelmente, a base de toda a biologia. É possível estudar a bioquímica sem se preocupar com biogeografia; ecologia sem genética; morfologia sem biologia molecular. Mas não é possível fazer nada disso sem saber do que se está falando. A taxonomia provê a significação que permite todos os demais estudos em biologia, especialmente os mais interessantes de todos, os de biologia comparada. Sem ela, nenhum biólogo sequer saberia qual organismo está estudando, quanto mais ter subsídios para se guiar, por exemplo, na procura de uma molécula de interesse médico que sabidamente só existe em uma espécie muito rara.

Uma ciência em crise por dificuldades de financiamento e desprestígio pode, a qualquer momento, fortalecer-se e continuar de onde parou, com consequências variáveis. Para a taxonomia (e, também, a etnologia e a linguística de grupos humanos em vias de extinção) não existe esta possibilidade. A hora é agora, ou não será mais. A diferença é que a perda nas ciências humanas citadas resume-se a algumas dezenas ou centenas de grupos humanos dos quais jamais saberemos muita coisa. Eventualmente é até possível recuperar elementos importantes de algumas culturas por meio da arqueologia ou do estudo de documentos históricos. Para a taxonomia esta é outra possibilidade que não existe.

A extinção de etnias acarreta em perda da riqueza cultural e linguística humana. A extinção de espécies, na velocidade que calculamos hoje, costuma trazer outras consequências além da lastimável perda da biodiversidade. Os efeitos econômicos da destruição de habitats já estão se fazendo presentes, e uma das maiores dificuldades na implementação de políticas de conservação (deixando de lado o desinteresse político, naturalmente) é o simples fato de que não sabemos o que existe. Não é possível planejar estratégias de conservação se não se sabe a existência, quanto mais a ocorrência geográfica e o grau de vulnerabilidade das espécies. É claro que a taxonomia sozinha jamais irá resolver estes problemas a tempo. Mas investimentos e valorização da área – fundamentais para que haja interessados a trabalhar nela – seriam um ótimo começo.


Para saber mais:




Lopes, O. U. 1991. Pesquisa básica versus pesquisa aplicada. Estududos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 13. Disponível aqui.
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Righetti, S. 2005. Falta investimento em pesquisa e preservação no Brasil. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 57, n. 1. Disponível aqui.
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Prado, L. R. 2005. "Então, mas você vai estudar isso pra quê?", disponível no Polegar Opositor.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Fim de semana com neurópteros!



Você já ouviu falar na formiga-leão?
Por Pedro Da Pos

Estes incríveis insetos são parte de uma família chamada Myrmeleontidae (“Myrme” de formiga, “leon” de leão, simples, não ?!). São predadores do tipo senta-e-espera (sério, essa é a categoria em que se encaixam pela estratégia que usam para caçar): enquanto larvas (veja ao lado - clique na foto para ampliar), constroem armadilhas para conseguir alimento (ou seja, não saem para caçar, simplesmente sentam-e-esperam!). Não por coincidência, constroem suas armadilhas em forma de funil próximo a trilhas de formigas: quando uma delas decide inspecionar o buraco (afinal, formigas também procuram por comida), a traiçoeira areia fina e escorregadia traz a formiga para o centro do funil! Como vocês podem ver pelo meu fantástico desenho feito no paintbrush (ok, ok!), a formiga-leão se enterra no meio de sua armadilha.
          Mas calma, não é só isso! =] Recentemente foi demonstrado que estes predadores tornam a vida de formigas ainda mais difícil: formigas-leão percebem a aproximação de formigas por vibrações no solo detectadas por cerdas em seu corpo, o que as permitem jogar areia com grande precisão na direção de suas presas (assim fica muito mais difícil escapar das mandíbulas deste predador!). É, e você que achava que só os tamanduás comiam formigas!Por falar nisso, que nome mais confuso, não? Por que formiga-leão se estes insetos nem formigas são? Como vocês podem observar nas fotos, o adulto (com asas) se parece mais com uma libélula do que com uma formiga. Na realidade, as formigas-leão não são um nem outro, mas sim insetos conhecidos como neurópteros (preste atenção nesta antena longa, uma das características que definem as formigas-leão, dentre outras menos evidentes aqui). Formiga-leão é uma tradução muito ruim de Ant lion, que seria melhor traduzido como “Leão de formigas”, o que faz mais sentido dado seus hábitos alimentares, como vimos, insetos predadores.
        Bom final de semana!!!!
       
Para saber mais:


Em inglês:
Fertin A. e Casas J. 2007Orientation towards prey in antlions: efficient use of wave propagation in sand. Journal of Experimental Biology 210, 3337-3343 - este é o artigo em que testam a precisão com que formigas-leão jogam areia em suas presas.


Em português: Infelizmente, nada! Se você achar algo, compartilhe conosco!!!!

Fotos: Pedro Augusto da Pos Rodrigues

segunda-feira, 8 de março de 2010

A base da nossa Ciência


Por Luiz Fernando F. Gelin 


O primeiro passo para a sabedoria é conhecer as coisas por elas mesmas; essa noção consiste em ter a verdadeira ideia do objeto; objetos são distinguidos e conhecidos pela sua classificação metodológica e nomenclatura apropriada; dessa forma a Classificação e Nomenclatura será a base da nossa Ciência.
Carl von Linee, 1735


Capa do Systema Naturae (Carl von Linee, 1735)


        O ano de 2010 foi declarado pela Organização das Nações Unidas como ano internacional da Biodiversidade. Com isso, um dos principais objetivos da ONU é trazer à tona a importância da conservação da Biodiversidade. Mas como fazer isso sem conhecê-la?  O que conhecemos da biodiversidade?  Há quase 300 anos, Lineu sugeriu um modo de documentar a biodiversidade, a simples nomenclatura ajudaria a partir daí gerações e gerações de naturalistas na descrição e documentação das espécies de seres vivos.
 Durante os séculos XVIII, XIX e início do século XX, muitas expedições científicas foram realizadas. Naturalistas partiram pelo mundo e descreveram a maior parte de espécies que temos registro hoje. Atualmente, porém, profissionais que se dedicam a esse tipo de pesquisa são escassos. Mas, por quê? Já conhecemos a vida em toda sua extensão? Segundo o professor emérito de Harvard, Edward O. Wilson, não conhecemos sequer a ordem de grandeza do número de espécies que vivem na Terra. Em relação aos insetos, por exemplo, acredita-se que existam aproximadamente 1 milhão de espécies descritas, e estima-se um total entre 2 milhões e 30 milhões de espécies existentes. Ou seja, sendo muito otimista, 50% das espécies de insetos existentes foram descritas. Entretanto, sendo mais realista, entre 3% e 10% são conhecidas pela Ciência.
Com o avanço das Ciências tanto tecnológico como teórico, os pesquisadores deixaram de se preocupar com o básico.  A importância da taxonomia parece-me que foi esquecida pela maior parte da comunidade científica. Um dos principais argumentos é que a taxonomia não possui perguntas e hipóteses testáveis, o que a torna, sob o ponto de vista de alguns, desinteressante e menos importante que, por exemplo, estudos que envolvam ecologia experimental ou evolução molecular. Não quero tirar o mérito desses estudos, mas sim mostrar que a taxonomia merece credibilidade, ao menos, tanto quanto eles.
A taxonomia surgiu como a ciência que dá nome aos seres vivos. Apesar de ser tida como uma ciência puramente descritiva, a taxonomia tem suas hipóteses e metodologias adequadas para testá-las e vai muito além da descrição de espécies. Uma vez que se tem um objeto, é preciso compará-los com uma classe de objetos previamente identificados e descritos a fim de se confirmar a hipótese de que é a tal espécie. Portanto, a própria espécie é uma hipótese, cabe ao taxonomista comparar características e corroborar ou refutar a espécie, caso refute o caminho natural é descrevê-la como nova. Mas não para por aí, a taxonomia também está interessada em revelar as relações de parentesco entre essas espécies comparando caracteres. Dessa forma, juntando-as em grupos por suas semelhanças, e criando diferentes níveis hierárquicos.  Tanto esses grupos, quanto essas semelhanças são hipóteses a serem testadas. A simples descrição e comparação de espécies são o primeiro passo para o estudo das relações entre elas, e formam uma hipótese primária de parentesco, base para a construção de árvores da vida. Ainda que bem esclarecidos, muitos pesquisadores parecem não perceber que a taxonomia vai além da descrição. Por si só, o caráter descritivo já é importante, e é através da taxonomia que podemos nos referir a milhões de espécies já descritas, que sabemos onde estão e por que ali estão, que podemos explorar a evolução da vida. Isso faz dela uma ciência única e independente.
Agora, mais do que nunca, estamos vendo os resultados do esquecimento da mais antiga e fundamental das ciências. Os problemas com os quais nos deparamos hoje já foram alertados há 25 anos quando Wilson introduziu o termo “crise da biodiversidade” dizendo, em resumo, que a diversidade está sendo perdida antes que a conheçamos. De fato, muitas espécies foram e continuam sendo extintas sem terem sido descritas. Outra consequência dos problemas mencionados, ficou conhecida como “impedimento taxonômico”. Muitos cientistas se depararam com esse problema: estudar a biologia, comportamento, história natural de alguma espécie que carece de descrição. Milhões de espécies permanecem sem descrições.
Apesar de notáveis, os problemas que a falta da taxonomia trazem para a ciência parecem invisíveis aos olhos da comunidade científica. Com a falta de financiamento, pesquisadores são desestimulados a trabalhar em taxonomia, o que torna a carreira do taxonomista criticamente ameaçada de extinção. Essa extinção leva ao abandono de Museus de História Natural, Museus de Zoologia, Herbários e Jardins Botânicos e do acervo da vida já coletado. Estes centros possuem grande apelo estético que aflora nossa biofilia – sentimento intrínseco do ser humano pela natureza – e desempenham importante papel na educação e conscientização dos cidadãos de todas as gerações. Em um contexto de estudos científicos, os museus são espaços fundamentais para os estudos taxonômicos e funcionam como um arquivo de toda a biodiversidade conhecida. Para continuar mantendo seu papel, os museus precisam ter seus acervos bem conservados e atualizados. Cabe citar aqui a importância das revisões taxonômicas, através delas os dados depositados em museus, que não foram estudados ou que foram estudados há tempos, são trazidos à tona e organizados, revisados, comparados. A importância dessas revisões não está apenas relacionada à história natural das espécies ou grupos de espécies, mas também à história dos ambientes em que vivem (ou viveram) e até as mudanças geológicas e climáticas desses ambientes, pois além do ser coletado, as etiquetas trazem preciosas informações que nos levam a tais inferências. Sem a taxonomia deixamos de desvendar a vida.
É evidente o estado crítico em que esta ciência se encontra. Já é passada a hora de conscientizar novas gerações de cientistas e não podemos deixar de chamar a atenção de futuras gerações (não só de cientistas), pois quando a base da nossa ciência é ameaçada tudo que por ela é sustentado pode desabar. Já disse o taxonomista Quentin Wheeler “o custo de continuar a ignorar as necessidades da taxonomia é infinitamente maior do que o financiamento e a atenção que a taxonomia precisa nesse momento”.


 “Nossa geração é a primeira a realmente compreender o problema da crise da biodiversidade e a última com a oportunidade de explorar e documentar a diversidade de espécies do nosso planeta” (Wheeler, Raven & Wilson).


Para ler:

Diversidade da Vida, Edward O. Wilson, Cia das Letras, 1994.



Sobre o autor:

Luiz Fernando F. Gelin é formado em biologia pela Unesp, campus de São José do Rio Preto, onde conheceu  Lineu, Darwin, Wallace, Hennig e Wilson  além de outros naturalistas e acabou entrando no mundo da evolução, da taxonomia e dos insetos. Realizou seu mestrado no programa de Biologia Animal da mesma instituição, investigando as relações de parentesco entre as espécies de um gênero de vespas sociais (tambem conhecidas como marimbondos ou cabas). Algumas ferroadas depois, tornou-se aluno de doutorado e dá continuidade ao estudo da taxonomia e evolução, através da morfologia e dos genes, desses temidos insetos com comportamento intrigante. Lattes.

terça-feira, 2 de março de 2010

Ciência, divulgação e espaços



Por Rafaela L. Falaschi


"Entramos numa corrida entre a educação e a catástrofe"
H.G. Wells


       Bem disse o doutor em Física Francisco Caruso: “Há muito tempo, a educação deixou de ser entendida como instrumento indispensável na formação do cidadão e vem sendo praticada como mero treinamento”.
        Bom, comecemos nossa incursão com um texto sobre divulgação, o objetivo primeiro desse espaço.
       Vamos partir do que o dicionário nos diz: Divulgar (do latim divulgare) é tornar público ou notório; publicar; propagar, difundir, vulgarizar, assim Divulgação é a ação de divulgar; vulgarização, propagação, difusão. Sabendo o significado de tais termos, vamos pensar como e onde aplicá-los.
       Diversos são os veículos de divulgação. Através deles, nós colocamos nossas idéias, opiniões, interesses, propagandas, atividades e as mais diversas informações. Compartilhamos.
        Mas devemos nos restringir a algum espaço? Diários, passatempo, álbuns de fotos, portfólios, meios de comunicação para alcançar alguém que está longe, núcleos de interação, fóruns, fontes de informação...? Ou devemos tentar abranger toda a diversidade social que existe em nosso mundo? E todas essas pessoas que não se encontram dentro das dependências físicas ou intelectuais da nossa Universidade/Escola? Devem compartilhar conosco? E nós devemos compartilhar com eles? Se sim, o quê compartilhar? E compartilhando, que abordagens e linguagem usar?
       São muitas perguntas a serem respondidas, todas intrinsecamente relacionadas. Algumas, ou quase todas elas sem uma resposta consensual. O objetivo aqui não é as respostas serem apresentadas, num simples e direto sim ou não. Mas questões a serem colocadas, pensadas, refletidas e as respostas surgirem ao longo das vivências de cada um, nas suas vidas pessoais e profissionais. Ao longo dos meus escritos as minhas respostas serão reveladas, mesmo que discretamente, o que não significa que estas sejam as corretas.
       Aqui (um sítio, um jornal escolar/universitário, um fanzine, etc) pode ser um local a ser dado o primeiro passo. E pode ser adiante um meio para além de divulgar idéias, experiências, vivências, oportunidades, repensar as mesmas, acrescentar pontos e talvez, quem sabe, mudar algumas percepções.
Antes de divulgar idéias e qualquer tipo de conhecimento devemos pensar o debate. Debate, que é troca de idéias em que se alegam razões prós ou contras, com vistas a uma conclusão. Não é mudar a idéia/opinião dos outros, é trocar informações a fim de que possamos construir nossas próprias opiniões e idéias, ou apenas confirmá-las ou até mesmo mudá-las. O debate enriquece o nosso conhecimento e nossa argumentação. Ele não é uma disputa a ser vencida. Ele não é o meio para se chegar ao que é certo ou errado.
       Voltaire parecia estar oferecendo as armas quando dizia "defina bem seus termos antes da discussão”. E não é? Em algumas das discussões decorridas ao longo da minha jornada acadêmica, notei que infelizmente por conta de problemas com definições de termos e por vezes também de um parco conhecimento de regras básicas de escrita, algumas boas discussões se perderam e ao invés de esclarecer pontos aos participantes, trouxeram mais turbidez ao que já era turvo. E isso acontece muito, não só dentro como fora do universo acadêmico e vem ganhando espaço na mídia, em especial com o advento da internet e todos os seus espaços públicos.
       Vejamos a questão do idioma. O Português do Brasil é uma língua muito rica, híbrida cheia de meandros. O que requer mais ainda de nós quando vamos escrever e divulgar idéias através do papel. Quanta confusão não traz um termo mal definido, um verbo mal conjugado, uma vírgula mal colocada, uma preposição trocada por uma conjunção e assim por diante? São coisas 'pequenas', mas que devem ser atentadas no momento de compartilhar os saberes, seja com pessoas do nosso círculo e ainda mais, quando vamos divulgar à diversidade de pessoas que compõem a sociedade. Pois o leitor não lê nossas mentes onde habitam nossas idéias, mas lê o papel, a página do site, coisas concretas e que podem facilmente se perpetuar.
        Divulgar para quê e para quem? Acho um questionamento importante para nos fazermos. Todos nós.
Aqui, nesse espaço, divulgar o quê? Ciência? Mas primeiro: o que é Ciência? Richard Lewontin, biólogo americano, num de seus inúmeros textos, apresenta a ciência como uma instituição social, a qual afeta e é afetada, ativamente, por uma série de elementos da sociedade (economia e política, por exemplo). E essa é apenas uma das concepções acerca de ciência.
       Acho um interessante ponto de partida que sejam levantadas mais essas questões. Não importa o grau de formação. Iniciar discussões e debates num espaço aberto e livre como este é um começo importante. Onde vai parar? Não sabemos... Esperamos que longe, bem longe... E que cada vez mais envolva mais pessoas e mais questionamentos, com ou sem respostas prontas e finais.

“É tempo, portanto, que os cientistas saiam de seus laboratórios e "percam tempo" contribuindo para divulgar a Ciência, para discutir o ensino de Ciências e, porque não, contribuir para a alfabetização científica”. (Francisco Caruso)

Para ler:

Biologia como ideologia - a doutrina do DNA, Richard C. Lewontin, FUNPEC Editora, 2001.

O que é Ciência afinal?, Alan F. Chalmers, Editora Brasiliense, 1993.