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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Esclarecimento sobre o incêndio na Floresta da USP-RP

O Banco Genético da USP de Ribeirão Preto, que faz parte do que é conhecido por Floresta da USP RP, é o único Banco Genético de mata mesófila semidecidual do Brasil. Ele foi implantado pelo Projeto Floresta da USP RP e possui 45 espécies, com uma diversidade de 3375 progênies coletadas em mais de 400 áreas de fragmentos naturais da Bacia do Pardo-Mogi. O objetivo do Banco é o de conservação genética das espécies nativas assim como fornecer sementes de origem conhecida e qualidade garantida, a fim de recuperar áreas degradadas. Hoje (16/08/2011) um incêndio iniciado por causas desconhecidas devastou grande parte da Floresta da USP, incluindo todos os 45 hectares do Banco Genético. Podemos comparar, embora os números sejam menores, com a perda da coleção do Butantã, ocorrida também por um incêndio, no ano passado. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ficou boa parte do dia coberta por fumaça. Alunos, funcionários e professores lamentam essa grande perda e estão ávidos por uma investigação das causas desse desastre. A Profa. Elenice Mouro Varanda, que dedicou boa parte de sua carreira para a implantação da floresta da USP, pede encarecidamente que divulguem e também o apoio de todos nós.
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A esperança, ideologia, trabalhos científicos (muitos em andamento), dinheiro público e uma riqueza genética florestal inestimável queimou junto com o Banco Genético da USP - Ribeirão Preto em um incêndio devastador! É lamentável saber que a ignorância de uma sociedade permite que ela conheça, e em poucos casos - "reconheça", a história e valor de um patrimônio construído em benefício de todos APENAS no dia de sua destruição. É triste ter que reportar que palestras, reportagens, passeios ecológicos, artigos científicos, notas e opniões pessoais tiveram uma representatividade imensamente menor que a fumaça e fuligem na divulgação do MAIOR patrimônio genético FLORESTAL ex situ do Brasil. De qualquer maneira, abaixo um pequeno texto sobre a construção e importância desse Banco Genético tenta informar, esclarecer e mobilizar a sociedade para que o esforço de anos de pesquisa não seja perdido... para que o trabalho de muitos biólogos, professores, estudantes e funcionários seja reconhecido não pelo "incômodo"!
O Banco Genético da USP de Ribeirão Preto, que faz parte do que é conhecido por Floresta da USP RP, é o único Banco Genético de mata mesófila semidecidual do Brasil. Ele foi implantado pelo Projeto Floresta da USP RP e possui 45 espécies, com uma diversidade de 3375 progênies coletadas em mais de 400 áreas de fragmentos naturais da Bacia do Pardo-Mogi. O objetivo do Banco é o de conservação genética das espécies nativas assim como fornecer sementes de origem conhecida e qualidade garantida, a fim de recuperar áreas degradadas. Hoje (16/08/2011) um incêndio iniciado por causas desconhecidas devastou grande parte da Floresta da USP, incluindo todos os 45 hectares do Banco Genético. Podemos comparar, embora os números sejam menores, com a perda da coleção do Butantã, ocorrida também por um incêndio, no ano passado. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ficou boa parte do dia coberta por fumaça. Alunos, funcionários e professores lamentam essa grande perda e estão ávidos por uma investigação das causas desse desastre. A Profa. Elenice Mouro Varanda, que dedicou boa parte de sua carreira para a implantação da floresta da USP, pede encarecidamente que divulguem e também o apoio de todos nós.
DIVULGUEM AO MÁXIMO PARA TALVEZ AGILIZAR OS PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DO CASO



Fotos:  F.L.Piton
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Problema de quem?

Todos sabemos, ou pelo menos todos deveriam saber, da tragédia no Instituto Butantan. Cerca de 70 mil espécimes da coleção herpetológica, 450 mil espécimes de aracnídeos, mais livros raros, material de consumo, muito conhecimento científico, muito trabalho e um imensurável patrimônio biológico foram queimados dia 15 de maio de 2010. 
Quem perdeu com a destruição de um monte de bichos mortos, guardados no álcool e no formol, de um monte de livros velhos e coisas do tipo? Apenas cientistas, taxonomistas mais especificamente? Ainda bem que o prédio onde ficam os estudos de venenos e relacionados à saúde ficou intacto. Infelizmente, a percepção maior que percorre a cabeça das maioria das pessoas (pelo menos das que sabem e ainda se lembram do ocorrido) é essa.
É mais difícil do que parece esclarecer o valor das coleções biológicas para toda uma sociedade. E o episódio no Instituto Butantan faz esse alerta aos berros. Poucos, muito poucos são os que sabem o real valor dessas coleções e menos pessoas ainda sabem divulgar esse valor numa linguagem clara e compreensível para a população ao redor do nosso Planeta. 
Um dos meus desafios, pessoais e profissionais, junto com alguns colegas, é levar questões "nossas", acadêmicas para muito além dos muros das Universidades e Instituições de Pesquisa. Por uma razão simples: essas questões não são nossas, são de todos. E percebemos o quão problemático é deter certos conhecimentos restritos ao nosso "grupinho". Num momento absurdamente crítico, de tamanha tragédia, nos vemos trabalhando e lidando com dificuldades quase que sozinhos.E o problema não é dos professores, alunos e funcionários do Instituto Butantan. É um problema que afeta a humanidade. Mas como "convencer" tanta gente que o que aconteceu no Butantan é uma tragédia?
Cabe a nós começarmos a procurar a resposta e trabalhar avidamente por isso e outras questões "nossas" para que numa próxima tragédia estejamos menos sozinhos...

Segue um texto publicado no "O Eco", falando um pouco da dimensão do NOSSO problema:


Biodiversidade incinerada
17/05/2010, 10:48
Por Reuber Brandão
Muitas pessoas não entendem o valor e a importância de coleções cientificas. Para muitos, parece contraditório que os mesmos pesquisadores que lutam pela conservação da diversidade biológica, também coletam e depositam exemplares em coleções zoológicas, as quais, aparentemente, são apenas locais escuros e frios, onde animais mortos permanecem empilhados em frascos de vidro. No entanto, não há nada de mórbido ou contraditório nas coleções cientificas. Muito pelo contrario, elas são parte dinâmica do processo de acúmulo do conhecimento que a humanidade possui da biodiversidade e são ferramentas essenciais na tarefa de conservação do patrimônio natural do planeta.

Coleções Zoológicas são como bibliotecas valiosas, repletas de obras raras. Essas obras raras são resultado de processos ecológicos e evolutivos. Essas obras raras são as espécies. Os organismos vivos refletem a plenitude das condições ecológicas e evolutivas do planeta e as traduzem em uma miríade de formas, nichos ecológicos e padrões de distribuição. Muitas dessas obras desaparecem de locais onde as condições ecológicas foram profundamente modificadas (na maior parte das vezes, causadas pelo homem), mas, se existem exemplares depositados em alguma coleção, o seu registro permanece de forma definitiva para qualquer objetivo de pesquisa e ensino.

Outra idéia errônea e arcaica, assume que o conhecimento existente sobre a biodiversidade é bastante satisfatório e que o encontro de novas espécies é algo extremante raro. Nessa perspectiva, um pesquisador que descreve uma nova espécie é objeto de admiração, quando, na verdade, o encontro de novas espécies é algo ainda bastante comum e este é um tipo de atividade comum para muitos zoólogos. Especialmente comum quando estudamos grupos de animais pouco conhecidos, como anfíbios, serpentes e lagartos. Estes grupos são ainda bastante carentes de estudos taxonômicos e existem diversas espécies aguardando uma descrição formal, para tornarem-se entidades biológicas reconhecidas e para serem objeto de políticas de conservação, quando necessário. Sem coleções zoológicas, tais espécies não chegarão nunca a serem reconhecidas, estudas e protegidas.

"O incêndio no Butantan foi extremamente grave. Muito grave mesmo. Tão grave quanto seria um grande incêndio em um importante museu do mundo como o Louvre, o Metropolitan, o Guggenheim, ou o British Museum. "
Desta forma, as Coleções Zoológicas são a base do conhecimento da fauna que a humanidade possui. Nas coleções estão depositados os holótipos, que são exemplares tombados no acervo que fazem a conexão entre os nomes científicos disponíveis na literatura e o tipo de animal que recebe aquele nome. Quando um animal coletado por um pesquisador chega em uma coleção, ele é comparado com holótipos e demais exemplares para verificar se se tratam de espécies novas, ou não. Sem estes holótipos (e demais tipos), e sua correta associação com os nomes disponíveis na literatura, a descoberta de novas espécies é praticamente impossível. A descoberta e descrição de novas espécies ocorre como resultado do trabalho de pesquisadores que visitam coleções cientificas, comparam cuidadosamente um grande número de animais com diversos outros e elaboram as descrições. As coleções cientificas são a maternidade e o berçário das espécies recém descritas.

Todo animal depositado em uma coleção cientifica possui dados básicos armazenados em um arquivo de tombamento, onde estão anotados, pelo menos, o número de tombamento, o nome do coletor e a data de coleta. Os dados presentes nesses arquivos indicam a distribuição da espécie, ajudam a contar a historia da pesquisa e se referem a um animal testemunho da pesquisa. Além da descrição de novas espécies e de atuarem na manutenção da estabilidade taxonômica da informação biológica, coleções cientificas ainda são utilizadas para pesquisas com dieta, biologia reprodutiva, genética, distribuição geográfica e de conservação. Como todo organismo é único, os acervos das coleções são um patrimônio insubstituível, que preserva a historia ecológica e evolutiva dos organismos incorporados. Além disso, contam a historia da pesquisa desenvolvida na instituição. 

A Coleção herpetológica do Instituto Butantan era um acervo conhecido por pesquisadores em todo mundo devido ao tamanho e relevância do material lá depositado. Quando um acervo com mais de 70 mil exemplares, coletados ao longo de uma centena de anos, e utilizado para uma gama de pesquisas em taxonomia, biologia e conservação por um enorme número de pesquisadores em todo o mundo, simplesmente desaparece em poucas horas, a palavra correta para isso é tragédia. Não é exagero considerar que o incêndio que destruiu o acervo da coleção herpetológica do Instituto Butantan representou uma das mais graves perdas de informação sobre a biodiversidade neotropical da historia da humanidade. 

A destruição de acervos durante o bombardeio de museus europeus durante a segunda grande guerra não chega aos pés do que ocorreu na fatídica manhã do dia 15 de maio de 2010. Este acidente irá atrasar o avanço do conhecimento da herpetofauna brasileira em diversas décadas. Diversos tipos zoológicos foram carbonizados, vários anos de estudos e pesquisas foram perdidos e diversos exemplares únicos e insubstituíveis foram consumidos pelas chamas. Alguns dos exemplares podem se referir a espécies que não foram mais encontradas em anos de pesquisa de campo e podem nunca mais serem registradas. Algumas espécies podem já estar extintas. Alguns dos animais foram utilizados em descrições cientificas incompletas ou deficientes e precisavam de novas atualizações que serão impossíveis. Diversos nomes científicos não estão mais ancorados a holótipos e toda taxonomia poderá ser abalada, caso os pesquisadores que detém atualmente o conhecimento empírico não tenham tempo para nomear novos neótipos (substitutos aos holótipos).

Não foi o trabalho de uma vida que foi perdido. Foi o trabalho da vida de diversas pessoas. Foi parte da história da ciência no Brasil. Foi o maior acervo de serpentes neotropicais do mundo. Por tudo isso, o sofrimento e sentimento de luto, expressado pelo Sr. Francisco Franco, curador da coleção, nas tristes entrevistas que concedeu, é a melhor expressão da tristeza que se abateu sobre os pesquisadores. Quem cuida de coleções cientificas no Brasil, não o faz pelos salários baixos. O faz por paixão e responsabilidade.

"Não encontrei nenhum comentário do Ministro da Ciência e Tecnologia, nenhum comentário do Ministro da Educação, nenhum comentário do chefe do Poder Executivo. Talvez o fato não seja relevante o suficiente para atrapalhar o fim de semana destes ilustres senhores."
Precisamos fazer algumas considerações sobre esta tragédia. Segundo o filósofo Alfred Whitehead, uma tragédia é “contemplar sem comoção o desenrolar de fatos graves”, ou seja, é a omissão sem remorso. Neste contexto, será que o incêndio na coleção do Butantan servirá de alguma coisa? Temo que não. Será que a sociedade em geral realmente se comove com a perda deste imenso patrimônio da humanidade ou tem noção de sua gravidade? Pesquisei na web manifestações sobre o ocorrido e encontrei apenas duas. Uma foi escrita por Hugo Fernandes Ferreira, aluno de pós-graduação UFPB e outra no Estadão, pelos pesquisadores Hussan Zaher e Miguel Trefaut, respectivamente o atual e o ex Diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Além do fato de terem sido escritos por pesquisadores ligados à Zoologia, os dois manifestos também denunciam o descaso com as coleções cientificas em todo o Brasil. Os descasos ocorrem tanto na forma como estes acervos tem sido guardados em prédios sem condições de espaço e segurança para, na ausência de políticas para coleções zoológicas e na falta de recursos humanos. Não encontrei nenhum comentário do Ministro da Ciência e Tecnologia, nenhum comentário do Ministro da Educação, nenhum comentário do chefe do Poder Executivo. Talvez o fato não seja relevante o suficiente para atrapalhar o fim de semana destes ilustres senhores.

Mas tenho certeza que, se o Museu do Futebol no complexo do Maracanã tivesse sido completamente destruído por um acidente, traria mais comoção e atenção que o revoltante acidente do Butantan. 

O incêndio no Butantan foi extremamente grave. Muito grave mesmo. Tão grave quanto seria um grande incêndio em um importante museu do mundo como o Louvre, o Metropolitan, o Guggenheim, ou o British Museum. Pode parecer exagero comparar uma coleção cientifica com o patrimônio cultural depositado nestes museus e muitas obras insubstituíveis são patrimônio cultural da humanidade. No entanto, acidentes assim são extremamente improváveis nestes museus, que contam com sistemas eficientes de proteção, estão em edificações adequadas e são tratados como patrimônio pela sociedade dos países onde se encontram.

No entanto, animais diferem de obras, sejam livros, quadros ou películas, por dois fatores bastante óbvios. Animais não são resultado do trabalho de nenhuma pessoa e animais são organismos vivos. Desta forma, por lidarem com o destino de organismos vivos, as atividades de coleta, tombamento e manutenção do acervo de uma coleção cientifica devem ser desenvolvidas com ética e responsabilidade. Embora a licença para a coleta de organismos tenha recebido grande atenção das autoridades nos últimos anos, incluindo aí limitações esdrúxulas nos números de exemplares solicitados para pesquisa, a criação de museus de história natural, claramente, não são prioridade. O patrimônio biológico nacional não é prioridade para o governo e para o povo brasileiro, mesmo sendo o Brasil o maior detentor de diversidade biológica do mundo e 2010 ter sido escolhido o ano da biodiversidade pela ONU. 

Neste momento de consternação, devemos juntar forças para pedir respeito e atenção às coleções cientificas nacionais e aos profissionais que trabalham nestes acervos. Devemos pedir financiamento para as coleções, para a construção de edificações adequadas, para a formação de recursos humanos adequados e para a contratação de mais profissionais.


Sobre o autor:
Reuber Brandão é biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão e acredita que estes animais dizem muito sobre a evolução e a conservação das paisagens naturais do Brasil. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006, participou diretamente da criação e ampliação de diversas unidades de conservação, especialmente na Amazônia e no Cerrado, onde concentra seus estudos atuais.

Foto: Danilo Guarda